Se um jornalista disser a você que nunca sonhou ser correspondente no exterior, saiba que está diante de um mentiroso. Jamais compre carro, empreste dinheiro ou compartilhe um pacote de biscoito de polvilho com esse sujeito. Acima de tudo, nunca, em hipótese nenhuma, nem com uma arma na cabeça, transe com ele.

Jornalista mentiroso dos bons já vem com assessoria de imprensa embutida. Com uma velocidade boltiana, ele espalha – ou planta – boatos, faz “follow”, esfarela reputações e obriga a condenada que caiu no seu ardil a andar de cabeça baixa, para não encarar a torcida trocando cutucadas e dizendo: “Olha lá, é essa aí”.

Esta é a verdade: todo jornalista que mente pouco um dia sonhou em ser correspondente no exterior. Afinal, quem é que não gostaria de acompanhar ao vivo as moças do Femen protestando de peito aberto na frente do FMI, estar lá quando as torres gêmeas ruíram ou abandonar a esfiha no meio porque o Kadhafi está sendo linchado diante do boteco escolhido pelo repórter em Trípoli?

Além de se sentir no centro de onde tudo acontece, o correspondente internacional tem outras motivações para compensar a saudade de arroz com feijão. É convidado para falar com aquela inatingível estrela hollywoodiana, as portas dos palácios se abrem para recebê-lo, assiste gratuitamente a shows e eventos esportivos em assentos que custariam 30 vezes o salário com o qual ele paga a quitinete, metrô, água, luz, mercado, lavanderia e conexão com a internet.

Mas ele tem de trabalhar. E não é pouco. Veja só o caso dos jornalistas dos grandes meios de comunicação britânicos alocados no Brasil. Eles duelam com a tarefa quase diária de explicar para os súditos da rainha o que vem a ser o mensalão.

O correspondente do “Guardian” no Rio de Janeiro, Jonathan Watts, vai pela saída mais popular. Contentou-se em apenas passar uma tradução aproximada da palavra em português: “big monthly payment” ou “grande pagamento mensal”, escreveu ele. A BBC trocou “payment” por “allowance”. Essa palavra pode significar tanto “compensação” quanto “mesada”. Ainda incompleta, a definição se aproxima um pouco mais da ideia do mensalão na cabeça dos brasileiros.

Mais precisa, a “Economist” quase resolveu a parada: para o correspondente da revista, mensalão é o “big monthly stipend”. Não vou bancar o sabichão e dizer que sabia de antemão da existência de uma palavra chamada estipêndio e que ela qualifica todo tipo de pagamento por um serviço prestado. Acredito que nem os professores de letras de Oxford devem saber o que é “stipend”. Mas, se procurarem no dicionário, terão uma ideia mais aproximada do que é o mensalão.

Outra dificuldade que nós, brasileiros, impomos aos correspondentes estrangeiros é a riqueza de nossos apelidos. “Guardian” e BBC se esforçaram para passar adiante os aspectos folclóricos e mafiosos de um nome como Carlinhos Cachoeira. Traduziram para Charlie Waterfall. Com isso, o nome perdeu força. Ficou até fofo.

Há ainda a infinidade de erros de grafia. Um dos réus, por exemplo, ganha um chique toque afrancesado e vira Jose Dirceau. Pior é o caso do juiz goiano Paulo Augusto Moreira Lima. Além de ter de se afastar do caso por conta de ameaças que diz ter sofrido, o magistrado viu seu nome ser transfigurado pela imprensa britânica para Paulo Augusto Moreva Lina.

Além de contar histórias, os correspondentes têm de fazer os leitores absorverem um pouco do gosto local. Isso tornou a vida deles bem mais difícil. Já foi o tempo em que bastava “chupar” a imprensa local, o que seria revelado em meia dúzia de googleadas. E, se o trabalho do correspondente se limitasse a isso, o mentiroso do começo deste texto daria conta dele. Acredito eu.