No filme A soma de todos os medos (The sum of all fears), o diretor da CIA William Cabot, interpretado pelo ator Morgan Freeman, encontra-se com o presidente russo em Moscou e visita as instalações nucleares da Rússia. A película, baseada em um livro de Tom Clancy e em cartaz no Brasil, não é apenas mais uma história fictícia sobre a paranóia dos americanos de serem atacados por vilões terroristas. Mas coloca em xeque a capacidade dos Estados Unidos e da Rússia de controlar o uso de suas armas de destruição em massa. Seria a percepção de que, embora o fim da guerra fria tenha tornado remotas as perspectivas de uma hecatombe nuclear, não dissipou os temores de que os arsenais nucleares – principalmente o da Rússia, em grande parte obsoleto – possam ser manipulados por outros países ou até cair inadvertidamente em mãos de terroristas. Desta vez, Hollywood está muito próximo da vida real.

Na quinta-feira 1º, o secretário de Energia dos EUA, Spencer Abraham, afirmou que a cooperação nuclear da Rússia com o Irã é um assunto de “extrema” importância para a administração Bush. Ele acredita que o projeto está auxiliando os iranianos a avançarem em seu programa nuclear com fins militares. Abraham e o subsecretário de Estado, John Bolton, responsável pelos assuntos de controle de armas nucleares, estiveram reunidos em Moscou com o ministro russo de Energia Nuclear, Alexander Rumyantsev. A preocupação dos EUA veio com o anúncio de Moscou em dar continuidade à construção de seis reatores nucleares em território iraniano. “Estamos preocupados que o Irã não esteja apenas interessado em energia nuclear para fins civis – já que conta com vastas outras fontes energéticas –, mas que esteja elaborando um programa de armas nucleares”, afirmou o secretário.

Descontrole – O Irã, o Iraque e a Coréia do Norte, assim como a Líbia, estão na lista dos países suspeitos de construir secretamente armas de destruição em massa. A venda de elementos usados na construção de armas nucleares vem sendo cogitada desde 1991, com o fim do império soviético. “O controle desse material é quase impossível”, afirmou à ISTOÉ a analista Celeste Walland, especialista em Rússia e Euroásia, do Centro de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais, em Washington. A herança nuclear da ex-URSS é tão preocupante que está na pauta da próxima reunião da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, a aliança militar ocidental) que acontece em setembro, em Salzburgo, na Áustria. O presidente da empresa americana Lockheed Martin, Ronald Covais, afirmou a ISTOÉ que sua empresa irá fazer parte de um levantamento de todo arsenal nuclear nas ex-repúblicas soviéticas, em conjunto com especialistas russos, americanos e europeus.

O temor de que grupos terroristas possam ter acesso às tecnologias e ao material nuclear aumentou consideravelmente depois dos atentados nos EUA. O vice-secretário de Defesa americano, Marshall Billingslea, discursou no Senado na segunda-feira 29 sobre o perigo de alguns países fornecerem know-how nuclear para nações como o Iraque ou a Líbia, que poderiam repassá-los a organizações terroristas. Billingslea citou a Rússia e a China como fornecedores dessa tecnologia, o que facilitaria a construção de mísseis de longo alcance. “Há uma possibilidade real de que terroristas possam ter acesso a material nuclear e por isso especialistas vêm se reunindo na Universidade de Stanford para discutir a questão. A transição depois da queda dos regimes comunistas do Leste europeu pode ter permitido que grupos extremistas tivessem acesso a materiais nucleares, biológicos e químicos”, disse a ISTOÉ o físico brasileiro Anselmo Paschoa.

Mas, então, estaria a Rússia agindo de má-fé no Oriente Médio? Segundo a analista Celeste Walland, o fato de a Rússia ajudar o Irã a construir os reatores nucleares em nada fere o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), assinado pelos dois países. Ela diz que na era de Boris Yeltsin os russos não assumiam esse tipo de cooperação, mas as relações mudaram e são boas entre o presidente George W. Bush e o presidente russo Vladimir Putin. Tanto é que Bush e Putin assinaram, em maio deste ano, o histórico Tratado de Moscou, que determina a redução, até o ano de 2012, das seis mil ogivas nuclares americanas e das 5.500 ogivas russas existentes para um número entre 1.700 e dois mil para os dois lados. “O arsenal nuclear americano deve diminuir numericamente, mas também será modernizado”, disse Walland. Mas tanto o custo de produção quanto o de destruição é altíssimo. E, por isso, o governo americano se ofereceu para ajudar os russos a acabar com suas ogivas.

Contudo, os esforços diplomáticos para tentar brecar a saída de material ou de tecnologia nuclear do país não estão sendo muito eficientes. Uma iniciativa já adotada e que fracassou foi o programa para ajudar financeiramente cientistas desempregados da usina nuclear de Mayak, na Sibéria. Os russos não deram acesso aos inspetores americanos e o projeto naufragou. Agora, estrategistas do Departamento de Defesa acenam com a possibilidade de outros atraentes incentivos financeiros para o Kremlin, que já deve US$ 42 bilhões aos cofres do Ocidente. Terá que ser realmente uma proposta muito boa, porque os negócios no Oriente Médio estão rendendo milhões a uma nação que está economicamente arrasada. A tentação ainda é grande.