Mesmo com lobby de ministro contra ele, Paulo Coelho derrota o cientista político Hélio Jaguaribe e ocupa a nova vaga da ABL

Engana-se quem pensar que Paulo Coelho – o mais novo membro da Academia Brasileira de Letras – adquiriu ares vetustos diante do novo status. Antes de ser fotografado no seu magnífico apartamento de 400 metros quadrados, debruçado sobre a praia de Copacabana, ele vestia bermuda jeans esfiapada, camisa pólo azul- marinho e tênis. Detalhes como a pequena tatuagem de uma borboleta no braço esquerdo e o rabicó branco que brota da cabeça semi-raspada também podem endossar o jeitão neo-hippie de quem, aos 54 anos, parece estar acima do bem e do mal. Paulo Coelho degustava sua recente vitória com uma taça de vinho, embora confesse que sua bebida preferida seja suco de açaí. Os hábitos cotidianos, no entanto, parecem não ter mudado. No sábado 27, dia seguinte à sua eleição para a ABL, caminhou pelo calçadão de Copacabana, como sempre faz. Apenas com uma diferença: no passeio, teve como trilha os aplausos dos transeuntes. “É impressionante a importância que as pessoas dão à Academia”, observa, ainda meio surpreso.

Para confirmar a aura em torno do autor de O alquimista, a eleição aconteceu justamente no dia de Santiago de Compostela, o santo da cidade espanhola onde milhares de peregrinos terminam a famosa caminhada mística. A posse será em 28 de outubro, dia de São Judas Tadeu. “Essa data fui eu que escolhi”, confessa o católico e simpatizante do budismo. Coelho conta que a ABL era um sonho antigo, que começou a ser cultivado logo após sua decisão de se tornar escritor, tomada aos 38 anos, depois de percorrer o Caminho de Santiago. Hoje, mesmo refestelado sobre louros internacionais, ele ainda ouve e lê críticas questionando a qualidade de sua obra, que ostenta números superlativos para a literatura tupiniquim. Algo em torno de 40 milhões de livros vendidos, publicados em 155 países e em 56 idiomas. O segredo de tanto sucesso, segundo ele, é o boca-a-boca dos leitores. “Todos os meus livros são best sellers ao ser lançados”, diz, imodesto.

Seu próximo projeto, ainda sem data marcada, é lançar Onze minutos pela editora Objetiva. O trabalho, que tem apimentadas passagens de sexo, está pronto e editado, mas Coelho hesita em colocá-lo nas prateleiras neste ano por causa do aviso de uma médium francesa. “Sou uma pessoa que vive de sinais.” Em compensação, não esconde a irritação quando seu nome é ligado a atributos mágicos, como fazer chover. “Não nego nada do que disse no passado, só não quero ficar me repetindo.” Paulo Coelho deu a seguinte entrevista a ISTOÉ.

ISTOÉ – O que o irreverente Raul Seixas, seu parceiro musical da juventude, acharia da sua posse na Academia Brasileira de Letras?
Paulo Coelho

Não falo em nome dele, o que seria difícil. Mas tenho certeza que estaria muito contente. Ele sabia que os sonhos são importantes.

ISTOÉ – A ABL sempre esteve nos seus planos?
Paulo Coelho

Não é tanto uma questão de planos, mas, sim, de ousadia. Até os meus 38 anos, quando fiz o Caminho de Santiago, tinha muitos sonhos e pouca coragem de realizá-los. Depois de terminar a caminhada, tive a coragem de admitir que meu sonho era ser escritor. Outro desejo era pertencer à Academia Brasileira de Letras, mas para isso tinha que correr o risco de enfrentar uma eleição. Era vencer ou ser derrotado, mas não podia me omitir. Essa idéia se transformou de uma heresia em algo mais concreto. Se perguntasse a opinião das pessoas, elas me diriam: você vai perder. Se fosse aceitar conselhos, não me candidataria. Acabei ganhando de um adversário digno, importante e competente.

ISTOÉ – Como foi sua decisão de concorrer?
Paulo Coelho

Estava no Festival de Montecarlo, no sul da França, em outubro passado, conversando com o diretor de cinema Sydney Pollack. Falávamos da sua solitária travessia do Atlântico. De repente tocou o telefone celular que uso na Europa. Pouquíssimas pessoas têm esse número. Era o acadêmico Arnaldo Niskier, sugerindo minha candidatura à vaga de Roberto Campos. Olhei para o Mediterrâneo e pensei: as decisões tomadas sob emoção sempre dão certo. Senti uma adrenalina, mas aceitei. Era uma coisa que eu queria muito e decidi ir até o fim.

ISTOÉ – E a sua campanha, como correu?
Paulo Coelho

Antes de começar a campanha, já estava agendado pelos próximos cinco meses. Mandei cartas aos acadêmicos explicando meus compromissos. Foram só 20 dias de trabalho, conhecendo os acadêmicos, que são pessoas muito interessantes. Da primeira vez empatei. Depois foi marcada uma nova eleição para julho, com os mesmos candidatos. Quando vi que a data era o dia de Santiago de Compostela, pensei que minhas chances eram boas. Dessa segunda vez foram quatro meses de campanha e todos me receberam muito bem. Inclusive os que abertamente não pretendiam votar em mim, como o Celso Furtado, Afonso Arinos e Alberto Venâncio. Não fiz chá, almoço ou jantar para eles. Apenas os visitei.

ISTOÉ – O que você tem a dizer aos acadêmicos que não o elegeram, muitos alegando que sua obra não é literatura?
Paulo Coelho

Não ouvi esse tipo de comentário de nenhum deles.
Quem não votou em mim estava convencido das qualidades
inegáveis de meu adversário.

ISTOÉ – É verdade que o governo federal interferiu na campanha da ABL através de seu ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer?
Paulo Coelho

Houve uma interferência desproporcional do ministro Celso Lafer. Tive que aceitar que faz parte do jogo. Creio que a maioria dos acadêmicos foi procurada por ele para que votasse em Hélio Jaguaribe, mas só três me confirmaram: Arnaldo Niskier, Marcos Almir Madeira e Carlos Heitor Cony. O ministro também distribuiu prêmios entre os acadêmicos e convidou vários deles para ir a Brasília. Eu não tinha como me contrapor a esse tipo de ingerência, mas foi um tiro que saiu pela culatra. Os acadêmicos se sentiram melindrados com essa interferência indevida. Não é Celso Lafer, mas eu que defendo o Brasil lá fora das acusações de queimadas na Amazônia, matança de crianças e trabalho escravo. Foi algo que me deixou muito aborrecido, e tenho certeza que não foi a pedido de Jaguaribe.

ISTOÉ – O que o mago pensa da obra do bruxo Machado de Assis?
Paulo Coelho

Sou seu leitor. É sem dúvida um dos maiores escritores brasileiros. Não sou um especialista em Machado de Assis como outros acadêmicos, mas acho seu texto envolvente. Conseguiu combinar qualidade com legitimidade.

ISTOÉ – Onze minutos, seu próximo livro, fala muito de sexo. Esse assunto não pode te indispor com seu público?
Paulo Coelho

Verônica decide morrer já tocava no aspecto libertador do sexo. Tem uma cena forte de masturbação que me rendeu muitas cartas, curiosamente na Inglaterra. A editora chegou a me perguntar se eu não queria trocar masturbação por fantasias sexuais. Não topei, e muitos leitores se revoltaram, alegando que eu deveria pensar em meu público e não tomar atitudes irresponsáveis.

ISTOÉ – De que trata a história?
Paulo Coelho

Sobre a sexualidade complicada que todos vivemos. Mais não adianto. O livro está pronto e editado, só não sei quando vou lançar. Sou uma pessoa que vive de sinais e acho que não vai ser este ano. Há alguns meses recebi uma ligação de uma médium francesa de Toulouse, me convidando para ir ao seu castelo. Respondi que não poderia, pois partiria no dia seguinte. Estava na cidade de Tarbes, nos Pireneus. Ela resolveu então ir até a mim. Viajou cinco horas e me alertou para não lançar o livro neste ano. Disse ainda que eu poderia levar um tombo e me machucar muito. Ponderou que talvez eu nem levasse esse tombo, por já saber dele antecipadamente. Pouco depois, há dois meses, subi a muralha da China com meu editor. Chovia e não dava para ver nada. Estava descendo, de tênis, e sem querer aumentei muito minha velocidade. De repente apareceram três chineses na neblina e um deles me agarrou. Aí me lembrei de Ida, e o fato para mim teve toda a lógica. Não pretendo, portanto, lançar o livro neste ano.

ISTOÉ – Qual o segredo para ser o escritor brasileiro publicado em 155 países, em 56 idiomas? Qual sua estratégia de marketing?
Paulo Coelho

Meu marketing sempre foi muito negativo. No Brasil, que é meu berço, era só pau. As maiores críticas a meus livros não eram muito pertinentes. Era uma crítica mais ao escritor, porque ninguém dizia que meus livros eram assim ou assado. Meu segredo é o boca-a-boca. Quando chego no Japão, eles não sabem quem é o cantor Ray Charles, mas conhecem Paulo Coelho. No início, eu lutava contra o fato de ser totalmente desconhecido. O único segredo é o leitor. Quando se atravessa do público feminino ao masculino, se consolida muito. A maioria dos autores começa pelo público feminino, à exceção dos livros técnicos. Hoje, todos os meus livros viram best sellers assim que são lançados. Na maioria dos países fico em primeiro lugar entre os mais vendidos, menos nos Estados Unidos, onde estou em nono, décimo lugar. Se meus livros fazem sucesso na Europa, é porque devem ter a densidade que o europeu gosta. Os Estados Unidos são mais voltados para o mercado doméstico, mas acho ótimo estar em décimo lugar lá.

ISTOÉ – Você faz chover? Ainda mantém seus atributos de mago e quais são eles?
Paulo Coelho

De novo? Há três perguntas que me recuso a responder:
se faço chover, como uso meu dinheiro e por que faço sucesso.
Há vários arquivos com minhas respostas e não nego nada do que
disse no passado.

ISTOÉ – Então vamos mudar a pergunta. Por que você é chamado de mago?
Paulo Coelho

Porque meus livros mostram às pessoas todo o potencial que elas têm e não usam. A magia é essa ponte entre o visível e o invisível.

ISTOÉ – Em seu livro Verônica decide morrer você revelou sua história de internação durante a juventude. O episódio teve ligação com drogas?
Paulo Coelho

Não, as drogas foram depois. Fui um adolescente exageradamente rebelde. Ainda sou, mas mudei a estratégia. Fui internado três vezes, aos 17, 18 e 19 anos. Na primeira, foi para me dar uma lição de disciplina, que não deu certo. Na segunda, um castigo que não funcionou. E na terceira acharam que eu estava louco, e também não funcionou. Não me senti vítima, mas alvo equivocado do amor de meus pais. Nesse ponto, eles não estão sós. Na ânsia de querer o melhor para seus filhos, os pais acham que o sonho deles próprios é melhor.

ISTOÉ – E as drogas, como foram?
Paulo Coelho

A partir dos 23 anos, com os excessos do movimento hippie. Hoje olho para trás e vejo que pisei numa fronteira muito tenebrosa. Vejo também como são ridículas essas propagandas hipócritas contra as drogas. Dizem que droga é ruim, mas não é. O perigo é que elas são boas, mas matam a vontade das pessoas. Enquanto ficarem com esse tipo de discurso só vão promovê-las ainda mais. O caminho é acabar com a hipocrisia. Mostrar às pessoas que elas têm um poder de decisão e, quanto mais usarem drogas, menos vão conseguir decidir suas vidas.

ISTOÉ – Quais as drogas que você usou?
Paulo Coelho

Todas, menos heroína e os derivados do ópio. Ultimamente inventaram várias drogas que não experimentei, como o ecstasy. Desde 1982 não tenho mais curiosidade sobre nenhuma droga.

ISTOÉ – O que você tinha a ver com a sociedade alternativa e quais eram seus princípios? Restam hoje resquícios dessa sociedade?
Paulo Coelho

Fundei a Sociedade Alternativa com Raul Seixas. Propunha a anarquia total. Tudo o que se quisesse fazer era válido. Hoje, acho que as pessoas têm toda a liberdade, mas ao mesmo tempo precisam seguir uma ética.

ISTOÉ – Quando você não está viajando, o que gosta de fazer no Rio de Janeiro?
Paulo Coelho

Andar no calçadão de Copacabana, falar português, tomar açaí, comer casquinha de caranguejo, feijoada, ver os amigos e assistir aos jogos do Vasco. Também adoro olhar a praia da minha janela de manhã, de tarde e de noite, e dizer para mim mesmo como é bom ser brasileiro.

ISTOÉ – Quais são seus candidatos à Presidência e ao governo do Rio?
Paulo Coelho

Tenho candidatos, mas não declaro.

ISTOÉ – Nunca pensou em ter filhos?
Paulo Coelho

Pensei, mas não aconteceu.

ISTOÉ – Dizem as más línguas que você e Cristina Oiticica (artista plástica) têm uma relação aberta. Procede?
Paulo Coelho

De jeito nenhum. Estou casado com a Cristina há 23 anos, e ela já é uma quarta ou quinta pessoa diferente da que conheci. Assim como eu também sou. Casamento é casamento, com suas alegrias e problemas. Quero continuar com ela pelo resto da minha vida.