Na sua rotina diária de escrever, o italiano Alberto Moravia (1907-1990) se sentava à frente da máquina às 9h, levantava-se às 13h, dava um espaço no meio da tarde e retornava no fim do dia. Seria um burocrata da escrita, não fosse o rico existencialismo que salta de suas obras. Considerado um dos maiores autores de ficção do século XX, Moravia é um mestre no jeito de observar a vida, como prova este Contos dispersos (Bertrand Brasil, 406 págs., R$ 48), que reúne 69 histórias publicadas em órgãos de imprensa entre 1928 e 1951. São recortes do cotidiano que ganham autonomia na prosa do autor. Alguns merecem virar livro. Outros poderiam ter continuado dispersos, esquecidos, para não desmerecer a memória de Moravia. Aliás, é bom sublinhar que ele dispôs de várias décadas para transformá-los em livro e, se não o fez, alguma razão deve ter tido.

Em geral, são contos curtos. Os melhores se alongam por mais de cinco páginas, como A burla e As maçãs deliciosas, este último uma comovente carta de um louco empenhado em provar à mãe sua sanidade mental. As charadas tem a típica estrutura e a agudeza de Moravia ao descrever uma cena revestida de tédio burguês. O ladrão curioso empalidece a ação para emprestar ao protagonista – o assaltante, obviamente – um olhar de descrição impiedosa das vítimas. Como pouca gente teve acesso a todos os contos, garimpados em bibliotecas pelos professores Simone Casini e Francesca Serra, até mesmo entre seus conterrâneos e estudiosos o livro pode ser considerado novo. E aí reside seu maior mérito: o de dar ao leitor o prazer de ler algo com o sabor inusitado de Alberto Moravia, mais de uma década após sua morte.