Barra-pesada e problemas com a censura era assuntos constantes de Plínio Marcos. No final dos anos 60, depois do recrudescimento do regime militar, o dramaturgo tinha todas as suas peças proibidas, embora fosse figura popular na televisão. Ou seja, podia aparecer, mas era impedido de se expressar. Seu trabalho refletia esta claustrofobia ao estabelecer um diálogo selvagem entre censura e criador e ao reproduzir o conflito entre o sistema e a sociedade. É justamente este tom de pesadelo recorrente e infindável que falta a
2 perdidos numa noite suja (Brasil, 2002) – em cartaz no Rio de Janeiro
e em Belo Horizonte na sexta-feira 28 –, filme de José Joffily baseado
na peça de mesmo nome, escrita pelo autor santista em 1966. A história já havia chegado às telas em 1970, dirigida por Braz Chediak, mas
a versão de Joffily se distingue pelas modificações introduzidas juntamente com o roteirista Paulo Halm. Agora, o diálogo agressivos de dois marginais num muquifo paulista transformou-se no retrato de dois brasileiros perdidos em Nova York.

Tonho (Roberto Bomtempo) é um mineiro bronco de Governador Valadares, que vive de bicos e casa-se com uma qualquer para conseguir visto americano de permanência. Paco (Débora Falabella) seria um prostituto drogado, se não fosse mulher. Seu sonho é gravar um disco
de rap e ficar famosa. Como atriz, Débora – a Mel da novela global O clone – impressiona. Dona de um despudor beirando o desconcertante, praticamente acua o sóbrio Bomtempo. O resultado tem sua força. Mas, se comparado ao texto original de Plínio Marcos, a atualização do
assunto se mostra equivocada. A força dos personagens iniciais estava no distanciamento. A marginalidade era o outro lado do espelho para
a maioria do público. Na atual versão, Tonho e Paco exalam a familiaridade e a vacuidade típica dos participantes de reality show. Talvez Joffily e Halm tenham encontrado um novo conceito de barra-pesada: a vida expressa em clichês.