Folhear um livro de fotos do catalão J.R. Duran provoca a mesma sensação que ouvir a antiga música de Caetano Veloso, Tempo de estio, sobre a chegada do verão, a estação do desejo e da multiplicidade de mulheres. Como na letra da canção, as páginas deste JRDuran (W11 Editores, 196 págs., R$ 115), seu terceiro livro em 28 anos de carreira, estão cheias de Cássias, Wanessas, Mônicas e Patrícias. Garotas lindas, deslumbrantes, que Duran apresenta apenas pelo primeiro nome, com a intimidade de grande retratista da beleza feminina. Algumas delas, contudo, de tão célebres já viraram marca com seus sobrenomes. São La Piovani, La Galisteu, La Parlatore, La Hickman, mostradas em ângulos de tirar qualquer um do sério. Mas, aos 50 anos, Duran deseja ser mais que o fotógrafo de nove entre dez beldades da moda e das revistas masculinas. Tanto é que das 124 fotos do livro e das 80 em exposição na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo, a partir da quarta-feira 26, ele intercalou os belos portraits de modelos e atrizes com flagrantes do cotidiano e flashes típicos do fotojornalismo. Dois bons exemplos são as fotos da guerra de Angola, em Andulo, em ensaio de 2000, e dos guerreiros Massai, do Quênia, clicados em 1999. Pecado para a ala dos marmanjos, Duran também abriu espaço para retratos masculinos, entre eles o galã do momento, Rodrigo Santoro, fotografado bebendo leite no pires.

Aventura – São fotos realizadas nos últimos oito anos, período que marcou sua volta ao País depois de meia década trabalhando nos Estados Unidos para revistas como a Harper’s Bazaar, Elle e Vogue. “Este é o meu livro mais ambicioso e mais completo”, avalia o fotógrafo. “Não mostra apenas o trabalho com as celebridades. Tem também o lado da aventura. Metade dos retratados é de pessoas completamente desconhecidas ou anônimas.” Há algum tempo Duran tem aproveitado as viagens a trabalho para registrar impressões do mundo. “Agora consigo abrir mais o meu olhar, observar mais ao redor, mesmo quando faço foto de moda. Como resultado, passei a gostar de minha fotografia de maneira incondicional.” Há três anos, por exemplo, quando viajou a Nova York para clicar Suzana Alves, a Tiazinha, Duran trouxe na bagagem mais que imagens de sadomasoquismo soft. Uma delas mostra um cão da raça whippet enroscado em si próprio sobre sofá. Quase um desenho, em sua circularidade a figura do cachorro lembra uma tela de Vicente do Rêgo Monteiro.

Naturalidade – O fotógrafo se esquiva em classificar este trabalho paralelo como um recorte da vida comum. “É um cotidiano entre aspas”, afirma. “Sempre tento glamourizar o banal e banalizar o glamour.” A inversão às vezes costuma dar trabalho. Para tornar natural a nudez da modelo Ana Hickman, clicada na praia do condomínio baiano Outeiro das Brisas, em 1998, Duran foi para dentro do mar carregando uma pesada câmera Asahi Pentax 6×7. Mas, no calor dos cliques, foi momentaneamente levado pelas águas. Resultado: sua lente 90 mm ficou completamente arranhada pela areia. “Errei o cálculo e o pulinho foi inútil. Perdi a lente, mas voltei com uma boa imagem.” Ana é um dos rostos privilegiados do livro. Aparece também num deslumbrante registro, de 2001, usando apenas meia e salto alto pretos.

Duran não sabe a receita para conseguir momentos tão íntimos e reveladores de suas modelos. Bem, se soubesse também não revelaria. “Sou muito curioso com as mulheres e ao mesmo tempo muito tímido. Talvez por esta razão acabo conseguindo imagens inesquecíveis. Digo isto de forma teórica, porque na prática não tenho a menor idéia de como as coisas acontecem.” Segundo ele, está redondamente enganado quem o imagina um protótipo do fotógrafo sedutor, daqueles que numa sessão de fotos começa a apertar o botão, bombardeando a modelo com táticas de desnudamento. “Sou o fotógrafo anti-Blow up (filme de Michelangelo Antonioni) por excelência. Não tenho aquela malícia. Quando fotografo mulheres, deixo que elas façam o que querem.” Duran cita o exemplo de Luana Piovani, um nome onipresente, da capa do livro às quatro imagens internas. Ela levou para uma sessão de fotos uma camiseta com
os dizeres: “I fucked your boyfriend” – em tradução mais leve, transei
com seu namorado. Quando ele espertamente pediu para a atriz
posar com a peça, sabia que a resposta seria afirmativa. “Ela é
uma grande cúmplice e, de um modo geral, esta cumplicidade
sempre acontece.” Está aí a receita.