“Pô, Regina, p… que pariu! Não falei pra você não fazer zona no apartamento? Eu avisei que a mulher tinha descolado na maior camaradagem. E você vai lá e f… tudo?!?! O pessoal deixou a maior zona. Garrafa, camisinha, resto de lanche, tudo jogado pela casa. Tinha cheiro de vômito na casa toda, você tem noção? Agora a mulher tá p… comigo. Pô, eu tô tentando ficar aqui, daí você me apronta uma dessa. A mulher tá tão possessa que é capaz de me dedar pra imigração. Se eu for mandada embora eu te esgano, Regina. Não, não adianta pedir desculpa e se oferecer para limpar. Você não podia ter deixado a mulher voltar pra casa e encontrar resto de suruba. Você me f… Tá, vou desligar, preciso voltar pro trabalho.”

Estava caminhando do lado de fora da arena do vôlei de praia quando ouvi o monólogo acima. Quando estou no exterior, o português funciona como um imã. Ao ouvir o idioma, já viro a minha antena na direção de onde vem o sinal. Assim, não pude deixar de prestar atenção na moça que berrava no celular com a relaxada da Regina.

Ela não devia ter mais de 25 anos, magra, cerca de 1,60 m de altura e usava o uniforme de um quiosque que vende linguiças e steaks em volta da arena. Cuidadosa, ela fez o rabo-de-cavalo passar perfeitamente naquele vão que sobra entre o fim da parte traseira e a correia de ajuste do boné. Sobre a camisa polo e a calca pretas, ela usava um avental também preto, mas com finas listras brancas.

O nervosismo dela ao telefone realçava ainda mais o forte sotaque da zona sul carioca. Seu discurso, que eu tratei de editar, era polvilhado generosamente com vários “olha só”. Fingindo que conferia e-mails no meu celular, me aproximei o mais que pude, com o cuidado para que ela continuasse se sentindo segura, falando à vontade e pensando que eu era um torcedor de algum país obscuro e que não tava entendendo nada. Do meu lado, eu estava doente para saber mais detalhes da festinha da Regina. Fazer o quê? Se não fosse curioso, melhor teria sido escolher outra profissão.

Terminado o esculacho, a moça desligou, voltou para o seu posto, recolocou o sorriso no rosto ainda vermelho e, com o máximo de serenidade que a situação permitia, ordenou: “Next, please”.

Veja só os perigos a que nós brasileiros estamos expostos ao viajar. Já houve um tempo em que o português era o nosso código morse, a nossa língua do pê, o nosso sinal de zap. Quase ninguém entendia. Agora, se você estiver subindo uma montanha no Nepal, der uma topada e soltar um palavrão, algum monge dirá sorrindo: “Brasileiro, né?”.

Acabou aquela história de fazer piadinha, comentar as formas alheias ou falar mal da cidade certo de estar sob o manto protetor de uma língua que ninguém entende. Sempre tem brasileiro por perto. Lembre-se: toda uma classe C agora tem acesso às prestações infinitas das agências de turismo.

Numa cidade como Londres, o falante de português do Brasil corre ainda outros riscos. Pode ser flagrado por outro brasileiro que vive há décadas aqui e está morto de saudade de comida com sabor. Daí, meu amigo, você tá pego. Da morte do PC Farias à rodada do Brasileirão no domingo passado, o sujeito vai querer repassar tudo.

Há ainda os portugueses. A impressão é que a maior parte deles integra a classe C daqui. Já me deparei com balconistas, bilheteiras, garçons e motoristas de ônibus que soluçam com os lamentos da Amália Rodrigues. É uma delícia conversar com esse povo. O problema é entender o que eles dizem.

Tem gente que leva a sério demais essa coisa de o português estar sendo decodificado no hemisfério Norte. Outro dia, no saguão do hotel, uma mulher madura, daquelas que usam echarpes estampadas, chapéu e óculos escuros gigantes, falava com o recepcionista pausadamente e num tom de voz elevado: “Eu vou dei-xar a mi-nha ma-la a-qui na re-cep-ção até a ho-ra do check-in. Do you understand?”. Escolado, o recepcionista de traços indianos intuiu a mensagem e colocou as malas da mulher para dentro do balcão. Ela saiu triunfante, com aquele ar de “eu me viro em qualquer lugar do mundo”.

Por fim, uma última consideração a esse respeito: o falante de português do Brasil conta com uma vantagem notável em relação aos que se expressam em qualquer outro idioma ou dialeto. Ele tem muito mais chances de ser convidado para a próxima festinha da Regina.