Pim Fortuyn, 54 anos, o candidato a primeiro-ministro da extrema-direita holandesa que foi brutalmente assassinado na segunda-feira 6, era uma figura insólita, daquelas cuja existência só é concebível num pequeno país em que a tolerância e a democracia sempre foram motivo de orgulho. Um fugaz terremoto político, Fortuyn (pronuncia-se Fortein), homossexual declarado, era capaz de defender uma plataforma radicalmente antiimigração e ao mesmo tempo ter como candidato a vice-presidente um negro imigrante de Cabo Verde, o empresário João Varela. As autoridades duvidam que o crime, ocorrido na pacata Hilversum, a 20 quilômetros de Amsterdã, tenha motivações políticas. O assassino, Volkert van der Graaf, 32 anos, que disparou seis tiros à queima-roupa no líder radical, é um militante ambientalista, mas aparentemente não tinha nenhuma razão conhecida para matar Fortuyn. “O que ocorreu é indescritível. Estou arrasado”, resumiu o primeiro-ministro socialista Wim Kok. Fortuyn, ex-líder do partido xenófobo Holanda Habitável e criador da agremiação Lista Fortuyn, conseguiu em maio obter 34% dos votos nas eleições municipais de Roterdã, a segunda cidade da Holanda. “Dezesseis milhões de habitantes são suficientes. A Holanda está cheia”, era sua palavra de ordem para defender o fechamento das fronteiras.

Olhos grandes, com uma careca reluzente e vestindo ternos da última moda italiana, Fortuyn impressionava por sua eloquência e elegância. Mas segundo o amigo Tom Kee, o ultradireitista era “depreciativo e arrogante”. Assim como o extremista francês Jean-Marie Le Pen, o líder da direita holandesa morava em uma casa de luxo com dois cachorros, Kenneth e Carla, com direito a mordomo. Apreciava fumar charutos e ouvir boa música. Mas a comparação com o extremista francês que chegou ao segundo turno das eleições causava urticária a Fortuyn, que fazia questão de se diferenciar das idéias xenófobas de Le Pen dizendo que não desejava a expulsão dos estrangeiros da Holanda. Mas, apesar disso, Fortuyn, que entrou na política há apenas seis meses, não ligava a mínima em ser chamado de racista. “Sou, e daí? O porquê de votarem em mim é irrelevante. Os políticos têm medo de ser chamados de racistas se falarem em imigração. Os acadêmicos não, e eu sou um acadêmico que entrou para a política”, disse certa vez esse ex-marxista e ex-professor de sociologia. Ele chegou a prometer que, se eleito, revogaria “o
primeiro artigo da Constituição holandesa, que proíbe qualquer
tipo de discriminação”.

Na verdade, quem mais incomodava o líder holandês eram os seguidores do Islã. Ele usava a sexualidade para justificar seus preconceitos culturais: “O Islã é estúpido. É uma cultura atrasada. Os muçulmanos tratam mal os homossexuais, assim como tratam mal as mulheres. O que estamos assistindo hoje não é um confronto entre Estados, mas um confronto de civilizações”, dizia, parafraseando o professor de Havard Samuel P. Huntington, autor de O choque das civilizações.

Com seu temperamento forte, Fortuyn destacava-se dos modorrentos políticos holandeses, um cenário semelhante ao que se passou com Le Pen na França. Suas idéias atraíam principalmente os jovens entre 18 e 24 anos que não vêem muitas perspectivas de trabalho, mas o fato é que Fortuyn captou o sentimento de boa parte dos eleitores holandeses: assim como já se verifica em outros países europeus, eles estão preocupados com os efeitos da integração européia. Esses eleitores almejam políticas que resolvam problemas práticos que cada vez mais afetam um número crescente de pessoas comuns, como a criminalidade e o desemprego. Nas últimas semanas, as pesquisas de opinião davam a Fortuyn cerca de 15% dos votos, mas calcula-se que esse índice poderá chegar até 25% no pleito do dia 15 de maio.