Olimpíada é aquela coisa linda. Congraçamento de raças e cores, aplausos mesmo nas derrotas, torcedores rivais bebendo juntos. Enfim, os Jogos são uma propaganda de margarina em vários idiomas. E com um bônus: em situações como essa, cheias de gente de várias nações, é possível perceber os verdadeiros e indissociáveis traços que nos unem. Dentre eles, o mais democrático, universal e sem preconceitos de classe é o hábito de sair do banheiro sem lavar as mãos.

Nesses dias em que, por deveres de ofício, frequentei diariamente banheiros de arenas, estádios e ginásios, a seguinte cena se repetiu com uma frequência assustadora. O sujeito entra em passo acelerado no banheiro, aproxima-se do mictório e solta um primeiro jato volumoso, geralmente acompanhado de um abafado ahhhhhh. Depois, com a solenidade de um cardeal ao aspergir água benta no batizado, salpica as últimas gotas num raio de até um metro a partir do centro. Por fim, levanta o zíper como se estivesse fazendo uma incisão no abdômen, vira-se e vai embora.

Fico a imaginar as mãos que serão apertadas por aquele indivíduo. Penso nas carícias infecciosas que porventura ele possa fazer na desinformada que se disponha a recebê-las. Sofro com a possibilidade de um dia ter de compartilhar uma cumbuca de nachos com essa figura. Pergunto-me se a professora do segundo ano primário não deixou claro pra ele que, graças à assepsia, a expectativa de vida dos homens dobrou da Idade Média pra cá.

Ninguém escapa. Ignorar a torneira é uma atividade atraente para cerce de 30% dos brasileiros, ingleses, americanos, orientais, indianos, africanos, muçulmanos, judeus, jovens, velhos, pobres e ricos com que deparei nos banheiros públicos daqui.

E olha que a organização do evento se esforçou. Não há banheiro nas instalações olímpicas que deixe de contar com sabãozinho tipo espuma e torneiras de água quente ou fria. Para arrematar, todos abrigam secadores que, caso não estivessem atarraxados nas paredes, poderiam mandar uma pessoa com o meu tamanho à estratosfera.

Hoje, nas cercanias da arena de vôlei de praia, vi a cena mais surreal. Um torcedor – não me foi possível diagnosticar a procedência dele – cumpriu o roteiro do segundo parágrafo deste texto e dirigiu-se a um quiosque de cachorro-quente, distante cerca de 20 metros do banheiro. Pediu o lanche, sentou-se na grama e, com as mãos, devorou a iguaria. Pensando no bem do estabelecimento, fiquei por perto até o cara dar a ultima mordida. Caso ele reclamasse de excesso de sal, eu intercederia em favor do quiosque.

Apesar de condenável, achava o ato compreensível num país (cada vez menos) católico como o Brasil. Afinal, desde Pôncio Pilatos muita gente associa o hábito de lavar as mãos com coisas ruins. Mas como explicar os demais? Não há passagem no Corão, na Torá ou na liturgia da Nichiren Shoshu em que a atividade de usar água e sabão tenha resultado na crucificação de alguém.

Antes de desenvolver um transtorno obsessivo-compulsivo por conta da falta de higiene alheia, recorro sempre que necessário a um aliado que a cada dia ganha mais pontos em minha estima. A ponto de fazer os cães – que eu amo tanto – descerem um degrau numa das verdades mais absolutas que a humanidade compôs a respeito deles. Eles não são mais o melhor amigo do homem. O posto atualmente é ocupado pelos tubinhos de álcool gel.