Uma cebola, uma cabeça de alho, um tablete de caldo de carne e uma lata de ervilha, que somados não chegam a R$ 4, custaram caro para a empregada doméstica Izabel Francisca Alves, 38 anos. Os ingredientes seriam a mistura do seu jantar, do marido e de quatro filhos, na Vila Natal, periferia de São Paulo. De fato seria se ela não tivesse sido presa e levada para a Cadeia Pública 4 de Pinheiros, acusada de furto, na segunda-feira 6. A história dessa pernambucana de Bodocó começou no condomínio New Orleans, na rua Bacaetava, 121, apto. 74, Brooklin, um endereço de classe média, onde moram os publicitários Ricardo Nogueira e Denise de Oliveira.

Izabel trabalhava para o casal há 33 dias e havia combinado um salário mensal de R$ 200. Na segunda-feira, ela chegou às 8h, arrumou o apartamento e foi embora às 17h. Porém, antes de sair, abriu a despensa e pegou os mantimentos da patroa. O publicitário chegou em casa mais cedo e ficou escondido na garagem esperando que ela deixasse o prédio, pois andava desconfiado da empregada. Ela foi para o ponto de ônibus. O publicitário e o zelador foram atrás. Pressionada, ela confessou “o crime”. “Peguei sem pedir porque não tinha ninguém em casa”, explicou Izabel. O patrão não quis nem saber. Chamou a PM e foram para a delegacia. Izabel foi presa em flagrante e levada para a Cadeia Pública de Pinheiros, onde dividiu cela com traficantes, ladras e estelionatárias. As presas ficaram revoltadas. Na terça-feira, o juiz corregedor, Maurício Porto Lemos, concedeu liberdade provisória e Izabel foi solta – vai responder ao processo em liberdade.

“Naquela noite a gente nem jantou”, lembra André, 13 anos, o filho caçula de Izabel. Em um quarto e cozinha, ela mora com o marido, José Rodrigues, e os quatro filhos. A rua não tem asfalto, o chão de sua casa não tem piso e as janelas não têm vidro. As crianças estudam. Izabel é quem banca as principais despesas domésticas. O marido costuma fazer alguns bicos, consertando geladeiras. A situação financeira da família é precária. O filho mais velho, Eder de Queirós, 21 anos, casado e pai de uma filha, ajuda os pais: “Dou uma cesta básica por mês”, disse. Ele é faxineiro no Aeroporto de Congonhas e ganha R$ 200 por mês. “Minha mãe está triste, com vergonha e se sentindo humilhada”, lamenta Eder.

Os vizinhos de Izabel se mostram solidários: “Não sou a favor do que ela fez, mas por causa de tão pouco queimaram a imagem de uma mãe de família. Agora, como ela vai fazer para arrumar emprego?”, questiona Georgina da Paixão. O delegado Márcio Barros de Campos, porém, se prende à frieza da lei. “Ela vai responder por furto, sim. O flagrante está perfeito e o que ela praticou não é crime famélico. Este só se caracteriza quando a pessoa é miserável e não tem emprego”, explica a autoridade. O jurista Damásio de Jesus, no entanto, parece interpretar a legislação com maior bom senso: “Para que haja crime, é preciso que a conduta do criminoso cause um dano relevante. Quando o dano é de importância insignificante, como a subtração de uma cebola, a moderna teoria da imputação objetiva considera atípico o fato, isto é, não constitui crime.”