Em 1935, quando as tropas do ditador italiano Benito Mussolini transformaram a Abissínia (hoje Etiópia) em uma colônia italiana, o imperador Hailé Selassié protestou de forma veemente na sede em Genebra da Liga das Nações (criada em 1920 depois da Primeira Guerra Mundial). A cena inesquecível marcou o fracasso da organização. Perante as grandes potências, os pequenos costumam sucumbir. O futuro das Nações Unidas (ONU), da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da própria União Européia está dependente da maior potência do planeta e de seus desdobramentos nas ofensivas contra o Iraque. Se a guerra for curta, com poucas baixas e Saddam Hussein for deposto, como prenunciam os Estados Unidos, ou seja, se George W. Bush vencer, o resto do mundo terá que se render ao unilateralismo do gigante. Mas se Bush falhar, China, Rússia, França e outros membros da ONU ferozes opositores à guerra vão dizer em voz uníssona: “Eu não te disse, sr. Bush para não ir à guerra sozinho?” A conclusão é de Margo Smith, analista da London School of Economics. Margo disse a ISTOÉ que a guerra veio exacerbar as fissuras já existentes nas maiores instituições internacionais, paridas com o apoio dos EUA, mas que sempre enfrentaram posições multilaterais.

Ninguém duvida que os EUA se submeteram ao Conselho de Segurança da ONU apenas por uma questão protocolar, porque a decisão do uso da força contra o Iraque já estava tomada. Poucos acreditavam que os americanos aceitariam a proposta do chanceler francês, Dominique Vil-lepain, de retomar a resolução 1.441 que organizava a inspeção das armas no Iraque. O chefe das inspeções, Hans Blix, bem que tentou, mas caiu por terra. Teria sido melhor para os EUA irem à guerra com o aval do CS. Mas quando Rússia e França, membros permanentes do CS (além da China, dos EUA e do Reino Unido) anunciaram que vetariam o projeto anglo-americano, Washington menosprezou a organização, seguindo a doutrina Bush. Em 57 anos de existência do CS, os EUA utilizaram-se do veto por 76 vezes. Mas agora a medida não interessava mais.

A aliança franco-alemã que tentou frear Washington trouxe à tona uma Europa dividida. O presidente francês, Jacques Chirac, maior opositor de Bush, poderá ainda sofrer retaliações da Casa Branca. Washington acusou Paris de defender a indústria petrolífera francesa no Iraque e de violar a proibição de fornecimentos de armas ao regime de Saddam Hussein, vigente desde 1991. Mas Chirac não está só. O presidente russo, Vladimir Putin, também foi incisivo ao afirmar que “a ação militar contra o Iraque é um grande erro político” dos EUA. Para Margo da LSE, apesar de a equação EUA-União Européia estar abalada, o comércio entre as nações não deverá ser afetado. A falta de consenso interno dos países europeus sobre a crise iraquiana apenas enfatiza a falta de unidade na política externa da UE. Os países do Leste Europeu, por exemplo, ansiosos por investimentos de Washington, apóiam Tio Sam. E aliados da Casa Branca, como a Itália, Portugal e a Espanha terminaram por não enviar tropas temendo represálias domésticas. A Turquia só liberou seu espaço aéreo para os EUA na quinta-feira 20, depois de iniciados os ataques em Bagdá.

Para alguns analistas, as instituições multilaterais como a ONU e a Otan começaram a perder o prestígio com a queda do muro de Berlim, em 1989, e com o fim da polarização EUA-União Soviética. Terminada a guerra fria, os americanos, responsáveis por um quarto do orçamento da ONU, ditam as regras na organização. Em artigo no Wall Street Journal, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, confirmou que as Nações Unidas correm o risco de perder legitimidade. E os países que tentaram através da ONU obter força, como a França, Alemanha e Rússia, não têm poderio militar e econômico suficientes para fazer frente ao unilateralismo americano. Washington, por sua vez, necessita do “Velho Continente”. Tanto é que os representantes da UE começaram a discutir na quinta-feira 20 a reconstrução do Iraque, que poderá passar dos US$ 50 bilhões. Estariam0, então, a ONU e a UE condenadas a reparar os estragos feitos pelos americanos? Talvez o destino das instituições multilaterais esteja reduzido a cuidar das questões humanitárias e não mais a decidir sobre o uso da força no mundo, deixando este tipo de decisão política para a mais poderosa nação. Kofi Annan diz que não. “A ONU não seguirá o caminho da Liga das Nações. A ONU é muito maior do que a crise iraquiana”, disse. Mas no dia do ataque, Annan não teve como esconder sua tristeza.

O  poodle de Bush

Lamber os sapatos de George W. Bush está custando caro para Tony Blair, o primeiro-ministro britânico. Blair, que é chamado de poodle de Bush, perdeu seis membros de seu gabinete, entre eles o líder do governo no Parlamento, Robin Cook, em protesto à entrada do Reino Unido na guerra contra o Iraque sem o aval da ONU. Londres enviou 45 mil soldados britânicos para lutar ao lado dos americanos e Blair foi o responsável pela adesão de importantes aliados à causa de Washington, como a Espanha e Portugal. Além da cisão interna de seu partido, o premiê britânico enfrenta sua pior popularidade desde que assumiu, em 1997, e ainda passa pelo embaraço de receber apoio do rival Partido Conservador. Assim como outros líderes, a sobrevivência política de Blair está diretamente veiculada ao sucesso ou fracasso da empreitada contra o Iraque.