A posição do Brasil a favor de uma solução pacífica para a crise do Iraque, contra uma ação militar sem autorização expressa do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e em defesa do Conselho e da própria ONU como os organismos adequados para a solução de crises mundiais colocou o País em lado oposto aos Estados Unidos. Mas este antagonismo, ao que tudo indica, deve ficar restrito a questões específicas de política internacional, não interferindo na extensa pauta, especialmente econômica, que os dois países têm pela frente nos próximos anos. No auge da crise na semana passada, por exemplo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou, em um primeiro momento, um tom agressivo, como na terça-feira 18, quando criticou o ultimato dado na véspera por George W. Bush ao Iraque. “O pronunciamento do presidente Bush foi muito forte porque, na minha opinião, desrespeita a ONU, não leva em conta o Conselho de Segurança e o que pensa o restante do mundo”, afirmou. Lula disse também que ninguém é a favor do Iraque ter armas de destruição em massa e que o desejo do mundo é viver em paz. “Agora, isso não dá
o direito aos EUA de decidir o que é bom e o que é ruim para o mundo. Isso é grave para o futuro da ONU, que é uma referência de comportamento para as nações”, criticou.

Essa posição de Lula já tinha recebido apoio unânime do Congresso Nacional. Tanto Câmara quanto Senado tinham aprovado moções de repúdio à guerra e em defesa do papel mediador do Conselho de Segurança. “Lula falou nesse tom naquele momento porque sabia que o País o apoiava. É um líder que trabalhou todo o tempo pela solução pacífica, dando respaldo integral à ONU”, afirmou a ISTOÉ uma alta fonte diplomática. Dado o recado, coube ao próprio Itamaraty acalmar as coisas. O chanceler Celso Amorim lembrou que o Brasil não tinha se tornado um inimigo de Washington, citando as amplas relações comerciais entre os dois países (os EUA são o maior mercado externo para produtos brasileiros) e também a agenda de negociações entre os dois países para os próximos anos, que inclui a Alca.

Guerra iniciada, o discurso de Lula na quinta-feira 20 centrou-se nas ações efetuadas a favor da paz. Este engajamento de Lula e do Brasil na defesa da ONU e de seus organismos como o Conselho de Segurança é justificado por diplomatas de forma simples: trata-se da única forma de defesa contra um poder hegemônico e unilateral, os EUA. “Não se pode prescindir do sistema de concertação política internacional que as Nações Unidas representam. No momento em que o Conselho de Segurança, o órgão mais poderoso da ONU, se vê privado de decidir sobre uma guerra por causa de uma decisão unilateral, cria-se uma situação internacional de muita instabilidade”, afirma um diplomata.

O Itamaraty considera que é perfeitamente possível ocorrer um movimento internacional de apoio à ONU. Nessa “reconstrução” da ONU, a tese da ampliação do número de integrantes do Conselho de Segurança, com a inclusão de membros permanentes escolhidos entre os países em desenvolvimento, como o Brasil, volta a ser cogitada. Anseio brasileiro à parte, muitos consideram que o mundo está diante de um problema a ser solucionado. Bush não pode ser rotulado simplesmente como isolacionista. “Os EUA foram isolacionistas nas décadas de 20 e 30 do século passado. Hoje eles não podem se isolar, pois estão multipresentes em todo o mundo”, comenta um assessor.

Apesar da guerra, a cúpula do governo aposta que o País pode se sair bem em meio à crise. “Historicamente, o período que vai do início de grandes combates internacionais ao pós-guerra sempre resultou, para o Brasil, num período de prosperidade”, explica o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (SP). Se a guerra não demorar além da conta, e se o preço do petróleo não disparar para cotações fora do controle, os principais formuladores do PT acreditam que o governo Lula poderá dar a largada nas promessas da campanha.

A posição brasileira de alinhamento com as resoluções da ONU, acreditam os governistas, também pode gerar benefícios. O País não chega a hostilizar os EUA, evitando eventuais retaliações, mas, ao mesmo tempo, se coloca como alternativa na parceria comercial, por exemplo, com o mundo árabe, com a China e a Rússia. “A situação de neutralidade nos favorece”, diz o subsecretário de Assuntos Internacionais do PT, deputado Paulo Delgado (MG). A avaliação de Delgado parte do princípio de que a decisão dos EUA de atacar o Iraque à revelia da ONU vai chacoalhar a divisão de forças no planeta e os EUA tendem a enfrentar um desgaste internacional com o conflito. Nesse rearranjo, crescem as chances brasileiras de melhorar a sua posição estratégica no planeta.

Sem defesa
     
Com experiência como coordenador do programa do míssil de longo alcance do Iraque, o brigadeiro Hugo de Oliveira Piva garantiu a ISTOÉ que “o poder de defesa do governo de Bagdá caiu muito desde a guerra do Golfo, em 1991, pelo bloqueio imposto pela ONU ao país e, especialmente, pelo antagonismo dos Estados Unidos”. Piva afirmou que “o Iraque não tem arma nuclear de pequeno porte, capaz de ser usada contra as tropas americanas e britânicas”. O brigadeiro lembra a destruição da usina nuclear iraquiana de Osirak em 1981 pela aviação israelense. “Aquela usina era fundamental para o desenvolvimento do setor energético do Iraque e podia produzir plutônio, elemento essencial para a bomba”, declarou.

Piva considera extremamente insuficiente a capacidade de defesa do Iraque diante de todo o poder de fogo que os americanos vão usar. Ele também classifica de inviável uma reação iraquiana com armas químicas ou bacteriológicas. “O poder de fogo do Iraque é ridículo se comparado com o dos EUA, mas pode ser respeitável se comparado com o de outros países árabes”.

Hélio Contreiras