As vésperas do confronto com o Iraque, a indústria bélica americana trabalha a todo vapor, numa batalha contra o relógio. Famosa por construir os mísseis Tomahawk, a Raytheon recrutou funcionários às pressas para dar conta de um atraso de seis meses nas entregas. Mas nada se compara à missão da Dynetics, empresa contratada pela Força Aérea Americana (Usaf) para produzir uma arma descomunal, o mais poderoso explosivo não-nuclear dos EUA. Trata-se da Moab (Massive Ordnance Air Blast, Bomba de Explosão Massiva), ou “mãe de todas as bombas” (mother of all bombs, Moab, numa ironia à “mãe de todas as batalhas” prometida por Saddam Hussein em 1991), um artefato de 9,5 toneladas de TNT equipado com um sistema de navegação por satélite (GPS) que permite corrigir sua rota após o lançamento.

O teste que os americanos fizeram na terça-feira 11, na Flórida, confirmou as expectativas. Não restou nada em pé num raio de
500 metros depois que o cogumelo de fumaça encobriu o céu. A plena carga, seu choque pode ser grande o bastante para provocar abalos sísmicos. Os oficiais de Washington usaram o poder letal da nova
bomba para impressionar os iraquianos. “O objetivo é pressionar
Saddam para que ele coopere, ao invés de lutar”, jactou-se o
secretário de Defesa, Donald Rumsfeld.

A mãe de todas as bombas é uma prima da BLU-82, usada no Afeganistão. Apelidada de Daisy Cutter (“cortadora de margaridas”), a BLU-82 é a mais sofisticada da série de mísseis ar-terra que surgiram em meados da década de 60. Ambas são armas de grande poder de fogo, mas não são as únicas. Em agosto do ano passado, George W. Bush pediu à Boeing para pisar no acelerador e modernizar o arsenal da Marinha e da Aeronáutica. Bush quer converter as bombas antigas, de queda livre (“burras”), em armas de alta precisão.

Conhecidas como JDAM (Joint Direct Attack Munition, Munição Conjunta de Ataque Direto), essas armas têm a vantagem de ser redirecionadas após seu lançamento. Chova ou faça sol, elas atingem alvos com uma margem de erro de apenas 13 metros. Antes das ameaças contra o Iraque, a Boeing produzia 25 projéteis por dia. Na semana passada,
sua produção saltou para uma centena. As encomendas chegam a
230 mil unidades. As novas JDAMs têm antena para receber sinais do GPS, computador de bordo com programa específico para decodificar dados do satélite, gerador para alimentar os mecanismos eletrônicos
e mecânicos e um sistema que garante a estabilidade do míssil no percurso e a correção de sua rota.

As JDAMs são lançadas por caças F-16. Antes de apertar o gatilho, o piloto recorre a uma complexa rede de dados alimentada por satélites e aeronaves-espiãs como o U-2, o J-Starts, o Predator e o Global Hawk, que rastreiam a área de combate sem ser detectados por radares inimigos. Apenas 30 segundos após o disparo, o computador do projétil ajusta suas coordenadas usando um sistema mecânico na cauda.

O único problema é que os sinais de satélite são fáceis de ser interceptados e pode haver erros. No Afeganistão, em 2001, uma
JDAM atingiu uma área residencial de Cabul por engano. O alvo era
o aeroporto da cidade, a 1,5 quilômetro de distância. Quatro civis morreram e centenas ficaram feridas. Uma perícia apontou falha
humana na programação.

Para evitar esses erros, a indústria criou mísseis ainda mais inteligentes. Os modelos do futuro já estão em teste. A Raytheon projetou a série JSOW (Joint Standoff Weapon, armamento de apoio combinado), um planador explosivo que sai das pranchetas com GPS operando em sete canais de frequência, cinco a mais que as JDAM. Poderá ser atirada a 72 quilômetros do alvo e custará cerca de US$ 220 mil, dez vezes mais que a JDAM. Mas a sensação dos pilotos promete ser a JASSM (Joint Air to Surface Standoff Missile, Míssil Ar-Superfície de Apoio Combinado), da Lockheed Martin. Com alcance de 321 quilômetros, seu trajeto será definido por satélites e aviões-espiões. O piloto será quase um entregador de pizza. Vai apenas apertar o gatilho. Tamanha sofisticação custará ao governo americano US$ 700 mil.

Gastos – Os defensores das novas armas são muitos. A economia que elas geram numa guerra é considerável. Antes, era preciso derrubar pelo menos seis bombas para destruir um alvo, já que os mísseis se perdiam no caminho. Na guerra do Golfo, em 1991, era preciso contar com pelo menos 24 aviões em um bombardeio. Com os mísseis inteligentes, quatro dariam conta do recado. O que preocupa diante da tecnologia que torna esses projéteis cada vez mais precisos é o desejo dos EUA de se tornarem indestrutíveis. Para o coronel Geraldo Lesbat Cavagnari Filho, especialista do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade de Campinas (Unicamp), isto é o que explica os investimentos maciços em equipamentos de guerra pós-guerra fria. “Os EUA querem perpetuar sua supremacia a qualquer preço”, diz. Bush apostou na tecnologia para consolidar sua hegemonia no planeta.