No dia 8 de agosto de 1979, um pelotão de fuzilamento executou 21 dirigentes iraquianos, quase um terço do Conselho do Comando Revolucionário (CCR) do Partido Baath, envolvidos numa frustrada conspiração para afastar o então vice-presidente do Iraque, Saddam Hussein. Astuto, o dirigente ordenou que o partido mandasse representantes a Bagdá para, juntamente com ele, participar da execução. Dessa forma, o então candidato a ditador neutralizou futuros rivais partidários, envolvendo -os diretamente na chacina. O expurgo de inimigos e a intimidação que fundaram o regime iraquiano abriram o caminho para a construção
e a consolidação de um “círculo íntimo” que, durante esses anos, permaneceu fiel ao ditador.

Saddam Hussein escolhe um a um os homens que o cercam. São eles que, nesses dias de iminência de um ataque dos EUA, discutem desde a coordenação dos inspetores das Nações Unidas até o passo-a-passo de uma preparação para uma invasão americana a Bagdá. De todos os homens, o mais respeitado e confiável para Saddam é seu filho mais novo, Qusay Hussein, 36 anos. Tanto que ele controla o aparato militar iraquiano – incluindo a Guarda Republicana, unidade de elite do Exército –, bem como o aparelho repressivo, composto pela al-Amn
al-Amn (Segurança Geral), al-Amn Khas (Segurança Especial), o
al-Mukhabarat (Serviço de Inteligência), a Fedayeen (força de
40 mil homens criada especialmente para controlar manifestações contra o regime) e as agências de inteligência militar. Ao contrário do varão
mais velho, o playboy Udai, beberrão, mulherengo e fanfarrão, Qusay, formado em direito, é descrito como um homem ponderado que mede
suas ações. Tão calculista que dizem ser capaz de matar a sangue
-frio. Tal pai, tal filho.

Ainda no primeiro círculo do poder, composto por aqueles que tomam chá e fumam com o ditador, estão os descendentes do clã Bejat, da tribo Albu Nassir, oriundos da cidade natal de Saddam Hussein, Tikrit. Seu secretário pessoal, Abed Hamid Mahmoud, é um deles. Outro é o primo Ali Hassan al-Majid, conhecido como “Ali Químico”, por ter sido o responsável por jogar gás mostarda contra os curdos em 1988. Ali mostrou sua fidelidade ao chefe em 1996, quando os dois genros de Saddam o traíram, desertando para a Jordânia e revelando os segredos das armas de destruição em massa do governo iraquiano. A emboscada que matou os dois genros em Bagdá foi armada por Ali.
Outra figura de total confiança do ditador é Ezzat Ibrahim, vice-presidente do CCR e poderoso líder do clã al-Douri, que também apóia o regime. A filha de Ibrahim foi casada por pouco tempo com Udai, o filho mais velho de Saddam.

Existem ainda aqueles homens que não fazem parte da família Hussein, mas estão há décadas ao lado de Saddam. O mais curioso deles é Tariq Aziz, hoje ministro das Relações Exteriores do Iraque. Nascido em 1936 em uma família caldéia cristã, o fato de não ser muçulmano fez com que Aziz fosse alvo periódico de críticas dos aliados de Saddam. Os dois se conheceram em 1968, no golpe arquitetado pelo líder iraquiano que colocou o Partido Baath no poder. Professor e jornalista, Tariq Aziz foi editor-chefe do jornal do partido e, em 1979, foi nomeado vice-primeiro-ministro. Mas foi durante a guerra do Golfo, em 1991, que Aziz tornou-se conhecido internacionalmente, como porta-voz do governo iraquiano. Na época, ele defendeu a invasão do Kuait e condenou ferozmente os países árabes que apoiaram os Estados Unidos. Visto muitas vezes no Ocidente como uma alternativa moderada a Saddam, Tariq Aziz jamais teve qualquer base política para derrubá-lo – se é que, alguma vez, isso lhe tenha passado pela cabeça. Além dele, um conselheiro importante de Saddam nas relações internacionais é o vice-presidente Taha Yassin Ramandan. Como vice, Ramandan só pode substituir o ditador em casos extremos. Aos poucos, ele vem ganhando popularidade, mas seus amigos e inimigos são os mesmos de seu chefe.

Abaixo dessas autoridades, vêm os círculos inferiores, formados por dirigentes do Partido Baath e por uma elite que foi extremamente favorecida pelas sanções econômicas, enriquecendo-se de maneira ilícita e hoje muito próxima ao poder. Essa elite sobrevive graças às trocas de favores com os líderes partidários. Finalmente, fora dos círculos de influência do ditador estão as autoridades clericais das comunidades xiita (maioria da população) e sunita, além de líderes comunitários.
     
“Ali Químico”: o primo de Saddam Ali Hassan al-Majid ganhou esse apelido por causa do massacre dos curdos com armas químicas
    
Tanto os sauditas como os americanos gostariam que Saddam fosse eliminado pelos próprios iraquianos. Recentemente, um diplomata saudita especulou que, “se houvesse anistia para o resto do governo, Saddam Hussein estaria em xeque-mate”. Há dez dias, a imprensa americana divulgou que setores da inteligência dos EUA dividiam a elite iraquiana em três níveis: o círculo íntimo, os de lealdade questionável e os que seriam passíveis de cooptação. O líder da oposição iraquiana, Ayad al-Awi, do Acordo Nacional do Iraque, afirmou que tem recebido secretamente adesões de autoridades ligadas a Saddam. Ele jura que até membros do clã Bejat estariam interessados em fazer um acordo se soubessem qual seria seu destino no pós-guerra. “Nos últimos meses, estamos recebendo contatos de pessoas do círculo próximo a Saddam. Mas não podemos falar muito por enquanto.” Até porque não é difícil adivinhar para onde vão os que abrem a boca.


Brasileiros contra a guerra


De cada dez brasileiros, oito são contra um ataque militar ao Iraque em qualquer circunstância. A pesquisa, realizada pela Criterium Consultoria, entrevistou mais de 850 pessoas em dez Estados brasileiros. A enquete também revelou que apenas 3% dos entrevistados são a favor de uma ação unilateral dos EUA, enquanto 10% apoiariam um ataque se houvesse consentimento das Nações Unidas. A pesquisa mostra ainda que 66% acreditam que o presidente George W. Bush quer depor o ditador Saddam Hussein para controlar o petróleo do Iraque e aumentar a influência americana na região. Apenas 20% disseram que os americanos têm como objetivo proteger o mundo contra o terrorismo. Essa desconfiança em relação aos motivos da guerra certamente contribui para o fato de 59% dos brasileiros afirmarem ter uma imagem negativa dos EUA. Os que têm uma imagem positiva respondem por 29%.