Há dois meses, a paulistana Daniela, 13 anos, vive um período mais feliz em sua vida. Ela finalmente se sente à vontade para aceitar os convites para dormir na casa das amigas ou viajar sem os pais nos fins de semana. Até então, ela inventava desculpas e nem sob pressão dizia a razão verdadeira da recusa: o receio de fazer xixi na cama durante a noite. “Guardei esse segredo durante nove anos”, conta. Em tratamento desde agosto, ela conseguiu controlar o problema, chamado pelos médicos de enurese noturna, a forma mais comum dos escapes urinários em crianças e adolescentes. Daniela havia tentado várias formas de acabar com o constrangimento, mas desistia porque não percebia melhora. No ano passado, apelou aos pais para que procurassem novas soluções. “Não estava aguentando mais viver assim”, diz, referindo-se às limitações sociais que a doença lhe colocou. Daniela prefere omitir o sobrenome para não correr o risco de virar alvo de gozação entre seus conhecidos.

O tratamento que mudou a vida da menina é resultado de uma nova forma de encarar o problema. Até pelas dificuldades que impõe, a enurese passou a ser mais estudada e ganhou combate mais eficaz e sofisticado.

Já é possível encontrar, inclusive, um serviço especializado, criado há nove meses no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Ali e em outros centros, a abordagem de tratamento é multidisciplinar. Ou seja, profissionais de várias especialidades participam do trabalho a ser feito com o paciente, uma vez que já se sabe que a falta de controle urinário tem origens diversas. Essa constatação contraria o senso comum entre os pais, de que dificuldades emocionais seriam a principal explicação do sintoma. De fato, elas estão entre as causas, mas o conhecimento da doença mostra que a lista de responsáveis é bem maior. Algumas vezes, ela pode ser provocada pela falta de um hormônio, a vasopressina, responsável pela diminuição da quantidade de urina eliminada à noite. Em outras situações, a origem pode ser má-formação na bexiga. Porém, a teoria mais aceita é a de que a maioria dos casos ocorre por atrasos no desenvolvimento de áreas do sistema nervoso central que controlam o funcionamento da bexiga.

É por isso que o combate precisa ser feito com várias estratégias. Se a razão principal for a deficiência na produção da vasopressina, por exemplo, o problema é resolvido com remédio. Quando o motivo são problemas emocionais, utiliza-se a terapia psicológica. Mas, em geral, independentemente da causa, adota-se mais de uma medida de controle. Outras táticas usadas simultaneamente baseiam-se em estímulos para que o jovem tome parte no tratamento e conheça melhor os sinais do corpo avisando que é hora de ir ao banheiro.

Incidência – A diferença entre a criança que molha a cama de noite sem maiores consequências e aquela que pode ser vítima da enurese é a idade e a frequência dos escapes urinários. “É normal fazer xixi de noite até
os cinco anos. Mas, se a perda urinária continuar depois dessa idade, precisa ser avaliada”, explica o urologista pediátrico Laercio Pachelli,
um dos coordenadores da Clínica de Enurese do Hospital Israelita
Albert Einstein.

No Brasil, calcula-se que existam cerca de três milhões de jovens com idade entre cinco e 15 anos vítimas da doença. No entanto, a maioria só chega ao especialista depois de alguns anos. “Um dos motivos da demora em consultar um médico é não se valorizar o suficiente a queixa da criança ou acreditar que o desconforto se resolverá espontaneamente com o tempo”, diz o neurologista pediátrico Abram Topczewski, também do Hospital Albert Einstein. De fato, a cada ano, de 10% a 15% dos jovens com enurese se curam espontaneamente. Porém, isso não quer dizer que o caminho correto seja esperar. “Nessa fase de desenvolvimento da criança, a enurese pode durar tempo suficiente para afetar o desenvolvimento emocional, a auto-estima e a sociabilidade”, diz o urologista pediátrico Francisco Denis, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Por isso, é importante falar sobre o assunto. “É preciso saber que a enurese pode ser controlada”, diz Topczewski.