"Faço da fragilidade a minha fortaleza. Jesus Cristo não renunciou à sua cruz”, disse o papa João Paulo II, jogando um balde de água fria em quem esperava que ele se afastasse do cargo ainda em vida. O recado foi claro. O chefe da Igreja Católica segue sua via-crúcis cumprindo seus compromissos aos 82 anos de idade, lutando contra o mal de Parkinson. A saúde, comprometida pelo atentado de 1981 e por várias cirurgias ao longo do tempo, ainda não impede a recente demonstração de vitalidade exibida durante a defesa de suas propostas de paz para o conturbado Oriente Médio nem a determinação com que enfrentou o escandaloso caso de pedofilia de padres da Igreja Católica nos EUA.

No Vaticano, a palavra sucessão é tabu, pelo menos enquanto o papa estiver respirando o ar da Santa Sé e dentro de suas faculdades mentais. Os corredores não falam e muito menos as paredes, mas alguns sinais em forma de código indicam que a procura pelo próximo herdeiro do trono de Pedro já começou. Recentemente, o cardeal alemão Joseph Ratzinger, braço direito do papa e o único a conversar a sós com ele, insinuou que o novo chefe da Igreja Católica deverá sair de um país do Terceiro Mundo, da África, possivelmente. Para os “vaticanistas”, a declaração deu a largada para a sucessão e jogou uma cortina de fumaça sobre os papabili, os candidatos a papa. Segundo o jornalista Sandro Magister, 59 anos, 40 dos quais cobrindo a Santa Sé, apenas uma leitura superficial remeteria a pista ao cardeal da Nigéria, Francis Arinze, presidente da Comissão de Assuntos Inter-religiosos. “As possibilidades dele são pequenas. Não importa se ele é negro, jovem ou tem um cargo importante; a Nigéria não tem um grande peso entre os países católicos”, argumenta. “O que se deve ler nas entrelinhas das declarações de Ratzinger é que o próximo papa deve vir da América Latina ou até mesmo da Ásia. No páreo está o cardeal d. Ivan Ruiz, da arquidiocese de Bombaim, na Índia. Mas este certamente tem bem menos chances do que o cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Claudio Hummes. Afinal, o Brasil é o maior país católico do mundo”, completa o vaticanista.

O intrincado jogo da sucessão dá a volta no mundo da política e das finanças. De acordo com alguns analistas que percorrem os bastidores desta batalha, os italianos vão fazer de tudo para quebrar o longo jejum sem reinado – uma tradição de quase cinco séculos interrompida 24 anos atrás com a ascensão de Karol Wojtyla ao pontificado – e tentar novamente eleger um conterrâneo para suceder João Paulo II. O problema são os candidatos. O prestigiado arcebispo de Milão, dom Carlo Maria Martini, o “cardeal vermelho” – alusão à sua posição política mais à esquerda –, pendura a batina em junho, quando completa 75 anos. Além disso, ele é progressista e jesuíta, e jamais houve um papa desta ordem religiosa na história da Igreja. Outro dos papabili italianos seria o arcebispo de Gênova, d. Dionigi Tettamanzi, mas ele saiu chamuscado depois do excessivo apoio aos manifestantes antiglobalização na reunião do G-7 (os sete países mais industrializados), em julho do ano passado. Essa atitude desagradou ao alto clero. Já o secretário de Estado do Vaticano, Angelo Sodana, outro virtual candidato italiano, também sairá de cena em novembro, ao completar 75 anos. Outros cardeais de países do Primeiro Mundo têm chances reduzidas, pois seria dar muito poder a representantes de países já fortes e influentes no cenário mundial.

Os cardeais “ricos” podem não estar entre os candidatos da vez, mas certamente têm grande influência na votação. Principalmente os dos EUA, onde os imigrantes de origem hispânica estão aumentando o rebanho católico a olhos vistos. O apoio dos cardeais americanos pode ser decisivo na escolha do próximo papa. Neste caso, a lista dos papabili deve conter os nomes dos cardeais Oscar Andrés, de Tegucigalpa, Honduras; Suárez Rivera, do México, e Jaime Lucas Ortega, de Cuba.

Ascensão – Abaixo da linha do Equador, surge a figura do cardeal d. Claudio Hummes, 67, arcebispo de uma difícil e grande arquidiocese, a de São Paulo, a maior do mundo. Dom Claudio é um nome em ascensão desde que foi nomeado, na última Quaresma, o líder do retiro espiritual do papa João Paulo II. O gesto é um sinal de grande confiança do Vaticano no brasileiro. O mesmo cargo foi exercido pelo então cardeal Wojtyla dois anos antes de ser eleito sumo-pontífice, em 1976.

A cotação de d. Claudio não passou despercebida à prestigiosa revista americana Inside the Vatican: uma edição recente traçou o perfil do brasileiro, classificando-o como “estrela brilhante”. A matéria pode não ter agradado ao prelado brasileiro, que é discreto, não se expõe, trabalha e viaja muito, de maneira quase invisível, qualidades admiradas pelo alto clero. Além disso, o arcebispo de São Paulo tem bom trânsito na esquerda – Hummes era bispo de Santo André e rezou muito por Lula quando este era líder sindical –, aos moderados e aos carismáticos.

Os eleitores do papa são os cardeais de todo o mundo. A reunião dos membros do Sacro Colégio dos Cardeais acontece no Vaticano, a portas fechadas, depois da morte do papa. Uma fumaça branca anuncia a escolha do novo pontífice. Dos cerca de 124 integrantes deste colegiado, 90% foram ordenados cardeais pelo papa João Paulo II. E é mais do que natural que sigam sua linha de pensamento. De qualquer forma, o papa não tem candidato e, se tem, só ele e Deus sabem. João de Deus tem mais com que se preocupar do que perder tempo e energia para tentar fazer seu sucessor, sobre o qual não poderá ter nenhuma influência, por motivos óbvios.