No sábado 22, chega ao Brasil o francês Claude Vorilhon. Ex-jornalista especializado em automobilismo, este senhor não vem aqui atrás de praias, samba e caipirinha. Sua missão está além desses simplórios prazeres terrenos. Há 30 anos, ele abandonou seu nome de batismo no topo de um vulcão extinto, situado em uma região montanhosa no centro da França. Ali, após contato com um ET, ou Elohim (em hebraico, os que vêm do céu), nascia Raël, o líder da seita mais comentada do momento. O Movimento Raeliano acredita na existência de extraterrestres e vê na clonagem a salvação dos males da humanidade. Durante sua visita, o líder dos raelianos tentará um encontro com o presidente Lula. Lançará também seu novo livro, Sim à clonagem humana. Os raelianos são a grande novidade neste obscuro mundo de congregações, ordens e grupos de orientação nada ortodoxa. Quem os integra busca paz e equilíbrio espiritual longe das grandes instituições religiosas. Em comum, além do mistério que os cerca, carregam a perseguição e o desprezo das igrejas tradicionais.

Mas o que faz alguém deixar as correntes ortodoxas para ingressar em núcleos com regras tão peculiares e geralmente conduzidos por líderes exóticos e muitas vezes perigosos? Os motivos são muitos. Vão desde o desencanto com as religiões tradicionais até a curiosidade que essas crenças despertam e terminam no desejo de contestar credos seculares. O último Censo, realizado em 2000, apontou que 3,6% dos brasileiros fazem parte das chamadas outras religiões. Parece pouco, mas são cerca de 6,1 milhões de fiéis. É verdade que neste universo há islâmicos, budistas e judeus. Mas calcula-se que a maior parte integre cultos alternativos. Caso da professora aposentada Vera Lúcia Felícia, 53 anos. Dançarina, nas horas vagas veste-se de andróide e faz coreografias baseadas na trilha sonora do filme Blade runner. Ela foi seduzida pela filosofia de vida dos raelianos. “Fui batizada na Igreja Católica e estudei em colégio de freiras, em São Paulo. Mas sempre achei a visão do catolicismo muito infantil. Além disso, desde pequena sou fascinada por ETs e avanços tecnológicos”, diz. Após experiências em diversos grupos, Vera encontrou o que procurava ao ler uma reportagem a respeito dos raelianos em uma revista de informação científica. A fusão de elementos místicos e científicos representava o fim de uma longa busca. “Queria aliar ciência, ufologia e filosofia. O movimento raeliano vinha ao encontro dos meus desejos.” No entanto, Vera não ofereceria seu corpo para a geração de um clone. A Clonaid, empresa chefiada pela bioquímica raeliana francesa Brigitte Boisselier, que acompanhará Raël no Brasil, garante ter gerado cinco clones humanos. Até agora, nenhum passou pelo crivo de uma prova científica. “A clonagem só será perfeita quando chegar à terceira fase. Nesse estágio, serão transferidos para o novo corpo toda a sua herança mental e sentimental”, alega Vera.

Apagão alimentar – Tão exótica quanto os raelianos, a Sociedade Brasileira de Eubiose defende o apagão alimentar. O grupo acredita que é possível viver sem nenhum tipo
de alimento. Discípulo de Evely Levy – a mentora do grupo no Brasil –, o estudante mineiro Flávio Lacerda Júnior, 28 anos, é um comedor de luz solar e oxigênio. Desde que aderiu à filosofia, há oito meses, ele já emagreceu mais de 20 quilos.

Apesar da considerável perda de peso, Flávio jura se sentir melhor agora do que quando se empanturrava com guloseimas. “Estou convencido de que o ser humano não precisa de comida. Vivo muito melhor agora. Comida é um vício desnecessário, pior do que a dependência de cocaína ou de bebida alcoólica”, afirma. O estudante alterou sua rotina drasticamente. Antes de abandonar a comida de vez, encarou uma dieta de matar faquir. “No início fica-se sete dias sem comer, só ingerindo líquidos, e depois o mesmo tempo só tomando suco natural. Fiz alguns exercícios de respiração para aprender a utilizar melhor o oxigênio, fonte de energia que já oferece tudo de que o organismo humano precisa para sobreviver.” No mundo, cerca de dez mil pessoas aderiram à causa. Para eles, o poder da mente é maior do que a necessidade de comer. A dieta à base de sol e ar é duramente combatida pelos médicos.

Perseguição faz parte da rotina dos que optam por uma alternativa espiritual. Mas, na maioria dos casos, o efeito acaba sendo contrário. “O cerne desses grupos é a contestação. Seus adeptos questionam o poder institucional das grandes corporações, sejam elas religiosas, sejam médicas ou políticas. E os ataques que vêm de fora só reforçam o desejo de desafiar a ordem estabelecida”, diz Silas Guerreiro, professor do departamento de teologia e ciências da religião da PUC-SP.

Além da discriminação, há ainda uma grande dificuldade para definir o conceito desses grupos. Afinal, o que os diferencia de uma religião? “As seitas são diferentes das igrejas porque não são abertas a todas as pessoas e não aceitam a maior parte dos costumes vigentes na sociedade. Ao contrário das grandes instituições religiosas, uma seita sempre quer crescer, porém discretamente, sem marketing, de forma controlada e gradual”, diz o professor e especialista em sociologia da religião Flávio Antônio Pierucci, da Universidade de São Paulo. Há também uma grande resistência desses grupos em serem reconhecidos como seitas. As tragédias associadas a elas, suicídios em massa, confrontos e atentados, tornaram o termo pejorativo.

Mas poucos grupos sofreram tanta perseguição quanto as bruxas. A caça começou na Idade Média, quando muitas foram queimadas na fogueira da Inquisição. Por mais que se quisesse, e tentasse, não houve lenha capaz de extinguir a sedução que a bruxaria exerce até os dias de hoje.

No Brasil, há até uma Associação Brasileira de Arte e Filosofia da Religião Wicca. A bruxaria é tratada como religião por seus praticantes. “Nós acreditamos em uma deusa (Gaya). Participamos de cultos, temos nossas orações, rituais. Nesse aspecto, somos iguais a uma religião tradicional”, diz a bruxa e administradora de empresas Rose Terra, 37 anos, de São Paulo. Um sonho fez com que ela começasse a se interessar pelos obscuros caminhos da bruxaria. “Tive um sonho no qual uma claridade aparecia no vão de uma porta entreaberta. Imaginei que se tratava de um santo. Mas depois descobri que na verdade era um feiticeiro. No começo tive um pouco de receio. Mas a curiosidade venceu o medo”, diz Rose. Hoje, a luta dela e das colegas é para acabar com o estigma da bruxa má com uma verruga na ponta do nariz que sai por aí a bordo de uma vassoura nas noites de lua cheia. “Ser um bruxo é adorar a Deusa Terra, respeitar as pessoas, se descobrir e, acima de tudo, ter amor e preservar a natureza”, explica Rose.

Equilíbrio – Ideais parecidos tem a Cultura Racional. O grupo ganhou notoriedade nos anos 70, por conta da adesão de Tim Maia. O cantor deu um tempo nas drogas, bebidas e baladas e foi procurar equilíbrio na filosofia que busca a evolução espiritual por meio de uma coleção de 1.006 livros chamada Universo em desencanto. Os tomos foram redigidos por Manuel Jacinto Coelho, patrono do grupo. Por meio deles, o objetivo é se chegar à imunização racional. Neste estágio, troca-se a terra pelo chamado mundo racional, hoje habitado por extraterrestres: seres puros, limpos e perfeitos. “Não se trata de seita, religião ou crença. Somos uma nova cultura. Estudamos os livros e com eles aprendemos a raciocinar em vez de pensar (que é instintivo). O Universo em desencanto nos ensina a tornar simples aquilo que se julga complexo”, diz o videodesigner carioca Jorge Eduardo Alaniz, 28 anos, integrante da doutrina. A Cultura Racional nasceu no Rio de Janeiro e tem cerca de 800 mil adeptos no Brasil.

Ainda mais antiga do que o grupo carioca, a Ordem Espiritualista Cristã do Vale do Amanhecer é uma das seitas mais tradicionais do País. Sua fundadora, a médium Neiva Chavez Zelaya, a Tia Neiva, a criou para exercer sua mediunidade, que, segundo ela, era a da cura. Ela e os quase 200 médiuns do Vale, situado em Brasília, no meio do Planalto Central, têm o dom da cura pela manipulação energética. A imposição das mãos, as orações, tudo lembra um centro espírita. A diferença está na celebração dos ritos, que misturam símbolos de várias religiões tradicionais: cristianismo, judaísmo, maçonaria e kardecismo.

As crenças alternativas estão em alta também no programa que virou mania nacional. Graças a seu ingresso no grupo espiritual Esfera, de Goiânia, o outrora brigão André Augusto Ferreira Fontes ganhou equilíbrio e um novo nome: Dhomini (que em latim, sem o h, significa do senhor). A metamorfose da estrela do programa global Big brother 3 aconteceu há seis anos, quando conheceu o místico Histo, um publicitário que trocou a criação pela meditação. Os ensinamentos do mestre estão sendo fundamentais para controlar os instintos postos à prova pelos outros participantes; que não se cansam de mandá-lo ao paredão. “O Histo é um ser iluminado. Tem um profundo conhecimento de física quântica, budismo, catolicismo e outras religiões. Isso o faz ter uma visão diferenciada e iluminada das coisas”, diz a empresária Patrícia Augusta Barbosa, 40 anos, frequentadora da Esfera. Ela é irmã do deputado federal Barbosa Neto (PMDB-GO), para quem Dhomini trabalhava antes de ir para o reality show.

Histo e seus discípulos costumam fazer retiros na Chapada dos Veadeiros, no interior de Goiás. Ali, passam dias meditando. Patrícia acredita que o amigo tem tudo para faturar o programa. “Além de ter um ótimo astral, ele conta com mais elementos do que os outros”, confia. Se ela estiver certa, Histo bem que merecia uma parte dos R$ 500 mil dados ao vencedor do programa. Sorte de Dhomini que o guru não é materialista.

Especial – Entrevista

"Quero construir um hotel de luxo no Rio"

Peter Moon

Sua Santidade Raël, 56 anos, líder de 60 mil raelianos em 84 países (300 no Brasil), chega ao País acompanhado da dra. Brigitte Boisselier, responsável pela Clonaid. Nesta entrevista exclusiva, este homem simpático e articulado, que mora a uma hora de Montreal, no Canadá, fala sobre a clonagem, os Estados Unidos de George Bush e seu desejo de se encontrar com o presidente Lula para propor a criação dos Estados Unidos da América do Sul.

ISTOÉ – Fui instruído a me referir ao sr. por Sua Santidade. Acredito que seja pelo fato de o sr. se considerar o último dos profetas, um líder espiritual da magnitude de Jesus, estou correto?
Raël –
Sim, completamente. Recebi a mensagem dos Elohim, homens que vieram dos céus e criaram a humanidade com a sua ciência avançada. Sou o último membro de uma longa linhagem que começou com Moisés falando com Deus no Monte Sinai. O que Moisés não sabia é que não falou com Deus, mas com um Elohim.

ISTOÉ – De acordo com a Clonaid, um quinto bebê clonado nasceu em algum lugar do planeta em 4 de fevereiro de
2003. Novos embriões foram implantados em 20 mulheres
e nascerão este ano. Há uma relação entre os futuros clones
e sua vinda ao Brasil?
Raël –
Não existe nenhuma relação entre o Movimento Raeliano e a Clonaid. Eu não sei onde fica esse laboratório, não há nenhuma conexão financeira, nada. A Clonaid é uma empresa da dra. Boisselier. Entretanto, como ela é raeliana, é claro que lhe dou aconselhamento ideológico, espiritual e filosófico.

ISTOÉ – O que o sr. fará aqui?
Raël –
Vou para o lançamento do meu livro Sim à clonagem
humana
. Irei a São Paulo, Porto Alegre e Brasília. Estou muito
feliz por visitar o Brasil. Sou fã de Fórmula 1 e adorava o Ayrton Senna. Quando ele era vivo, o campeonato era muito mais interessante do que hoje, com Schumacher.

ISTOÉ – Podemos esperar o nascimento de um clone brasileiro?
Raël –
Não sei, pergunte à dra. Boisselier. Mas espero que um
dia, sim. Espero também encontrar o presidente Lula. Eu e a dra. Boisselier queremos propor a criação de um hotel de luxo perto do
Rio de Janeiro. Há no mundo um milhão de ricos dispostos a gastar
até US$ 200 mil para clonar um bebê. Eles poderiam se hospedar
neste hotel, ao lado de belas praias, para se divertirem enquanto consultam a Clonaid. Seria uma enorme fonte de divisas para
o Brasil. Imagine bilhões de dólares!

ISTOÉ – Com 175 milhões de habitantes, o Brasil é o maior país católico do mundo. Que mensagem daria aos brasileiros?
Raël –
175 milhões? Tudo isso? Achava que eram 120. De qualquer forma, o Brasil não tem 175 milhões de católicos só porque eles foram batizados. Eles são contados como católicos, mas não o são realmente. As pessoas vão cada vez menos à missa. O Brasil é uma sociedade aberta, seu povo adora o prazer, usa contraceptivos. Tenho certeza de que os brasileiros não dão ouvidos ao papa e estão abertos a novas filosofias, não uma primitiva como a católica. A Igreja Católica nos odeia porque somos a favor da contracepção, do divórcio, dos gays, da clonagem, do aborto. Defendemos tudo o que ela proíbe. Nenhuma religião monoteísta nos suporta, nem muçulmanos nem judeus. A exceção é o budismo, que não possui um deus único.

ISTOÉ – Quer dizer que os Elohim não são deuses astronautas?
Raël –
Não, são humanos como nós, mas com uma
tecnologia bem mais avançada.

ISTOÉ – Objetos voadores não identificados são naves Elohim? Os Estados Unidos escondem uma na área 51?
Raël –
Todos os óvnis são Elohim. Há infinitas civilizações no universo, mas só os Elohim vêm à Terra. Eles nos consideram sua propriedade. Quanto aos Estados Unidos, devem ter algo na área 51, mas não uma nave Elohim. Sua tecnologia é tão avançada que jamais poderia ter caído em Roswel, no Novo México.

ISTOÉ – Sua Santidade está sempre rodeada de belas mulheres. Para muitos, esta é uma prova de que é um charlatão. Raël defende os prazeres da carne?
Raël –
Totalmente. Não acho que alguém seja charlatão porque considera o sexo bom. Charlatão é quem considera o sexo ruim. A Igreja é falsa porque é contra o sexo. Nós nascemos do sexo. Poder fazer sexo e não fazê-lo é sadismo. O deus que defende isso é um deus sádico. No Brasil, as pessoas aproveitam a vida. Sei que os jovens brasileiros gostam de sexo e a comunidade gay é enorme.

ISTOÉ – O físico britânico Stephen Hawking teme o contínuo progresso dos computadores e o surgimento, em última instância, da inteligência artificial. Defende a modificação do DNA humano para melhorar a nossa espécie e impedir que percamos o compasso com as máquinas. O que o sr. acha disso?
Raël –
O que ele disse é importante, mas eu não temo máquinas inteligentes. Elas surgirão e será ótimo. Estarão do nosso lado,
e não contra nós. Posso vislumbrar o dia em que supercomputadores serão uma extensão da mente humana. Veja bem: um carro é mais rápido do que um homem, mas isso não nos amedronta. Lembre-se
das leis da robótica (de Isaac Asimov). Um robô não pode ferir
um humano. Um robô deve obedecer às nossas ordens. Enquanto tivermos o controle, não há risco.

ISTOÉ – Como o sr. vê o conflito entre os Estados
Unidos e o Iraque?
Raël –
Seria ótimo programar um robô inteligente para colocar
na Casa Branca no lugar de George Bush, que não é nada inteligente. Os Estados Unidos são o país mais perigoso do mundo. Estão se tornando exatamente como a Alemanha nazista. Até criaram campos de concentração (na base de Guantánamo) em Cuba. Os prisioneiros da rede al-Qaeda não têm direito a advogado nem comunicação com
o exterior. Isso me dá muito medo. O que me conforta é saber que 60% dos americanos são contra a guerra. É um assunto que quero tratar com o presidente Lula. As fronteiras entre o Brasil, o Uruguai
e a Argentina não fazem sentido. Proponho a criação dos Estados Unidos da América do Sul, para contrabalançar o poder dos
Estados Unidos da América.

ISTOÉ – Como Sua Santidade é cidadão francês, apóia a decisão do presidente Jacques Chirac de vetar uma resolução da ONU em favor da guerra?
Raël –
Totalmente. A ONU foi criada para impedir a guerra, não para aceitá-la. Usar a ONU para promover a guerra é o começo do seu fim. Ela é um fantoche dos Estados Unidos. A paz deveria dominar o mundo, não a violência. Esta semana, foi criado em Haia o Tribunal Internacional de Justiça. Os Estados Unidos são o único país que se recusa a fazer parte desta organização para punir crimes contra a humanidade. É inacreditável!

ISTOÉ – A China também não faz parte do Tribunal.
Raël –
Mas a China é comunista. Não é uma democracia. Os Estados Unidos se dizem defensores da democracia e temem ver seus militares serem processados. Os ataques terroristas de 11 de setembro mataram três mil pessoas. Foi terrível. Mas a América nunca foi julgada pelos 300 mil mortos da bomba de Hiroshima. Aquela cidade não era um objetivo militar. Os piores atos terroristas da história foram Hiroshima e Nagasaki.

ISTOÉ – Por que Sua Santidade diz que a clonagem é o primeiro passo para a vida eterna?
Raël –
Existem três passos. Na semana passada pedi à dra. Boisselier que criasse uma empresa para fazer um útero artificial, o segundo passo. Não será mais preciso enxertar (o embrião clonado) numa mulher nem esperar nove meses para o nascimento ou 18 anos para
o clone se tornar um adulto. Quando acelerarmos o processo, como
os Elohim o fazem, você poderá clonar a si mesmo em uma hora.
Aí, antes de morrer, transferirá sua mente para o novo corpo,
que é o último passo.

ISTOÉ – Raël vai clonar Raël?
Raël –
Se a tecnologia para criar um clone adulto estiver disponível quando eu morrer, sim.