Quando aceitou escrever aquele que seria o sétimo e último livro da coleção Plenos pecados, Tomás Eloy Martinez, escritor argentino radicado nos Estados Unidos, não esperava viver uma situação no mínimo estranha. Iniciado em maio de 2000 e dedicado ao pecado da soberba, O vôo da rainha (Objetiva, 280 págs., R$ 27,90) conta a história de amor de um homem prepotente, que é destruído pela própria arrogância. Esta era a “idéia fixa” de Martinez, conforme declarou a ISTOÉ, na semana passada. Eis que o autor foi surpreendido em agosto daquele ano com o assassinato da jornalista Sandra Gomide, em São Paulo, baleada por Antonio Pimenta Neves, namorado e diretor do jornal em que trabalhava. Uma tragédia que em tudo e por tudo se encaixava com a que estava escrevendo. Como se não bastasse, quando já estava no quarto capítulo, ele e a mulher, a escritora Susana Rotker, foram atropelados por um caminhão desgovernado. Ela morreu.

Mesmo assim, Martinez não desistiu. Transformou sua tragédia em vontade de escrever – depois de ficar seis meses parcialmente paralisado – e se autodeterminou a contar a dramática história da repórter Reina
e Camargo, diretor de um jornal de Buenos Aires. Seus esforços valeram
a pena. O vôo da rainha conquistou o prêmio espanhol Alfaguara para textos inéditos. Seu texto ágil e pontuado de referências a personalidades de períodos distintos à primeira vista poderia ser confundido com literatura pop. Tal idéia horroriza o escritor de 68 anos, para quem sua escrita transita numa zona de penumbra entre realidade
e ficção. Na verdade, uma linguagem bem de acordo com os dias
de reality-shows.