O envolvimento direto do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL) na central de grampos ilegais da Bahia não é um problema pessoal. É um mal de família. O filho de ACM, o ex-senador Antônio Carlos Magalhães Júnior, que substituiu o pai depois da renúncia para escapar à cassação no escândalo da violação do painel em 2001, também se valeu dos grampos ilegais no seu mandato de 19 meses. Levantamento feito por ISTOÉ nos arquivos do Senado mostra que Júnior, como é chamado na família, apresentou dez requerimentos no segundo semestre do ano passado – e todos eles têm base factual nos grampos distribuídos pelo pai, ACM, a jornalistas de Brasília.

Num único dia, 20 de novembro de 2002, uma quarta-feira, o pacato Júnior, um empresário de 52 anos, avesso à política, obrigado a trocar a sala de presidente do grupo de comunicação da família para assumir a vaga do pai no Senado, apresentou um pacote inédito de requerimentos – nove – abrangendo temas variados em seis ministérios diferentes. Existe um único elo na origem dos documentos disparados contra os ministérios dos Transportes, Comunicações, Fazenda, Esporte e Turismo, Agricultura e Integração Nacional: o grampo de ACM, que fundamenta os pedidos de informação que Júnior espalhou, repentinamente, pela Esplanada dos Ministérios. O décimo requerimento, de 6 de agosto de 2002, foi remetido à pasta da Justiça, também com base na arapongagem baiana. Essa revelação, que compromete pai e filho no escândalo do megagrampo
em 232 telefones, deve incendiar o debate no Conselho de Ética do Senado, que começa a trabalhar nesta terça-feira 18 para definir o calendário de depoimentos. ACM e Júnior, que agora é novamente suplente do pai, terão no Conselho de Ética a chance de esclarecer melhor o mistério do grampo.

A pista de que Júnior também manipulou as informações, transcritas no chamado “Relatório Confidencial”, que resume 126 conversas gravadas ilegalmente, foi dada pelo próprio ACM. No dia 26 de novembro de 2002, depois das quatro cartas-denúncias enviadas a ministros do governo FHC – e baseadas nos grampos, conforme revelou ISTOÉ 1745 –, o senador ACM, já eleito, mandou uma correspondência para a corregedora-geral da União, Anadyr Rodrigues. Nela, o cacique baiano protesta contra as conclusões em relação às investigações do órgão em cima de seu rival Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) e dá a deixa: “Lamento não concordar com as informações que foram passadas à ilustre e digna ministra, daí porque já foram apresentados alguns requerimentos no Senado, pelo senador Antônio Carlos Magalhães Júnior.” O levantamento feito por ISTOÉ no Diário Oficial do Senado revela que Júnior tinha um apreço especial pelos temas que só os ouvidos apurados dos arapongas conheciam. Dez entre dez informações pedidas por ele se relacionam com o grampo. A grande maioria dos pedidos de informação tem a data de 20 de novembro, seis dias antes de ACM despachar o ofício para Anadyr.

No dia 30 de julho de 2002, o grampo das 18h31m37s captou uma ligação entre Geddel e o ministro do Turismo, Caio Luiz de Carvalho. Os dois discutem a liberação de recursos para projetos turísticos nas ilhas de Itaparica e Mar Grande, na Bahia. Os detalhes do diálogo, comparados ao requerimento de Júnior, são reveladores. Pelo grampo, Geddel não quer que a verba trafegue pelas prefeituras em mãos de adversários, e o ministro sugere, então, uma entidade local, como a associação comercial ou o sindicato de hotéis. Júnior questiona exatamente os repasses para os dois municípios, indaga sobre os valores e pergunta por quais “instituições, governamentais ou não, deu-se a liberação dos recursos”. Nos dois grampos do dia 23 de maio, às 12h31m43s e às 12h39m50s, Geddel conversa com o executivo da Odebrecht, Cláudio Melo, e com o presidente do PMDB, Michel Temer, sobre o cancelamento da licitação do Porto de Alcântara. O baiano Júnior, numa iniciativa incomum em se tratando de obra de outro Estado – o Maranhão –, também pede informações sobre a obra e pergunta, especificamente, se algum processo foi “objeto de cancelamento” e os motivos de tal decisão.

A estas evidências documentais se somam os depoimentos na quinta-feira, na Polícia Federal, em Brasília, de duas vítimas do grampo, o líder
do PT na Câmara, Nelson Pellegrino, e o ex-deputado Benito Gama – ambos inimigos históricos de ACM. No plano político, o inferno astral
de ACM está apenas decolando com o Conselho de Ética. No plano policial, a situação parece ainda pior. “Já existem provas para indiciar
o mandante”, aponta o procurador Edson Abdon. “As investigações apontam, todas, para o senador Antônio Carlos Magalhães”, antecipa
o delegado Gesival Gomes, da PF.