Em meio ao vai-e-vem de entrevistas e participações em programas de tevê para promover seu novo álbum, Deixa a vida me levar, o carioca Zeca Pagodinho vem sendo obrigado a falar de um assunto que não tem nada a ver com música. Todos querem saber por que o sambista se mudou recentemente do sítio em Xerém, distrito do município pobre de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, um lugar que é a sua cara. Afinal, Pagodinho adora usar bermudões e chinelos e caminhar no meio dos cachorros, cavalos e gansos. “Tive de mudar dali porque não tinha uma boa escola para a garotada”, explica, referindo-se aos três filhos. “Agora, só vou lá de vez em quando.” A maior surpresa, porém, foi o novo bairro escolhido: Barra da Tijuca, reino dos emergentes, local sem botecos – que ele adora – e onde a cultura americana é idolatrada a ponto de um shopping center ter na porta a réplica da Estátua da Liberdade. Aparentemente, nada a ver com Zeca Pagodinho. Mas ele rebate: “Sou bem chegado em qualquer lugar. Seja onde for, estou sempre com os meus amigos de fé.”

Dentro da nova mansão de oito cômodos, o sambista se cerca de uma turma que contrasta com o jeito Vera Loyola de ser do bairro. É gente que curte uma cerveja, um churrasco e uma roda de samba. São personagens com nomes exóticos como Bidubi, Barbeirinho, Diolândio
Joe Joe ou Coronel Cachimbudo. Como se vê, Pagodinho não tem nada
de emergente. Já emergiu. Na semana passada, o CD Deixa a vida me levar saltou do quarto para o segundo mais vendido no Brasil. “Não
me lembro de ter feito show vazio, nem mesmo quando estava fora
da mídia”, orgulha-se.

Informal como ele só, o sambista sempre pontua as conversas com gírias, interrompe o papo para brincar com o cachorro, ou faz careta quando a assessora sugere que mude de camisa para que a insinuante barriga não apareça nas fotos. No item preparo físico, aliás, talvez se encontre a única alteração. Só para não dizer que não inaugurou um novo way of life. Por causa de dores na coluna, ele passou a fazer alongamento e caminhadas na praia com um personal trainer. Nada muito radical. “A caminhada termina em frente a um quiosque com um torresmo excelente e uma cerveja geladinha. Ali mesmo eu recupero todo o peso perdido.”

Tal espírito brincalhão, simples e afinado com o carioca da zona norte, garante autenticidade a seu trabalho. O recente CD segue a fórmula dos anteriores. Zeca Pagodinho aparece como autor em apenas uma faixa para abrir espaço a outros compositores. Alguns são famosos, mas a maioria é de sambistas saídos dos pagodes dos morros e subúrbios do Rio de Janeiro. “Escolho as músicas pelo ouvido, e não pelo nome do compositor. Bateu, valeu”, explica. Assim, como num passe de mágica, Pagodinho transforma talentos desconhecidos em sucesso nacional, leva para as FMs ritmos ancestrais, como o maxixe ou o calango, e resgata para o hit parade clássicos de muitas décadas passadas.

No arsenal de letras, continua cantando o cotidiano do brasileiro pobre, que sofre com a falta de dinheiro. “Tô devendo à dona Maria da Quitanda/Tá ruim pra mim”, diz a letra de Tá ruim, mas tá bom. “Não tenho tudo que preciso/Mas com o que tenho, vivo/De mansinho lá vou eu”, canta na faixa-título, Deixa a vida me levar. Um dos poucos assuntos que pulverizam o seu humor é o caos social do País. “É difícil enxergar a saída, cada dia mais roubo, mais fome. O povo não tem educação, só quer saber quem vai ganhar a Casa dos artistas, quem vai sair do Big Brother ou quem é o pai do filho da fulana.” Preocupado com esta situação, Pagodinho inaugurou em Xerém uma escola de música que beneficia 300 alunos. Em época de eleição, recebe promessas de apoio
ao projeto, nunca cumpridas. Até hoje banca sozinho a despesa de
R$ 10 mil mensais.

Mesmo assim, o humor continua sendo sua marca registrada. Na música Caviar, por exemplo, o refrão repete: “Você sabe o que é caviar?/Nunca vi, nem comi/Eu só ouço falar.” E Zeca Pagodinho, já provou caviar? “Conheci em Portugal, mas foi tão pouquinho que não deu nem para saber se é bom. Eu gosto mesmo é de comida caseira”, dispensa. Os filhos saíram ao pai. Quando viajam, rejeitam os restaurantes finos dos hotéis. “Eu tenho que levar minhas crianças na rua para comer em pensão. O filho do meio só quer feijão, arroz, farofa e ovo.” Na mudança para a Barra, levou a preocupação de que seus rebentos mantenham a ligação com a genuína música brasileira, algo bem diferente do tecno que anima as boates locais. Ele garante não discriminar, mas prefere que a garotada tenha amizades que combinem com seu gosto musical. “Já apareceu por aqui um garoto que toca bem o cavaquinho, meu sobrinho também toca cavaquinho e os amiguinhos dele outro dia já estavam sambando na grama.” Pelo jeito, é mais fácil imaginar que é Zeca Pagodinho quem vai mudar a Barra da Tijuca e criar no território dos emergentes o primeiro pagode de fundo de quintal num condomínio de luxo.