Toda vez que caminha fardado pelas ruas de Brasília, o piauiense radicado na capital federal José Afonso Filho, codinome Afonso Brazza, 48 anos, é aclamado como o “Bombeiro Cineasta”. Bombeiro porque é a profissão com que ganha seu sustento. E cineasta porque, depois de dirigir oito fitas absolutamente trash – que o colocam no mesmo patamar do diretor americano Ed Wood, mas sem a repercussão internacional do Rei do Filme B –, Brazza se tornou o diretor cult do momento. Amantes do gênero não perdem oportunidade de comprar ou alugar, caso encontrem nas locadoras, os vídeos de seus filmes. E em Brasília, a cada estréia
de uma nova produção, o cinema lota com uma moçada disposta a gargalhar durante toda a projeção. Engana-se, no entanto, quem pensar que Afonso Brazza faz comédias. Não, sua linha é aventura na linha Rambo tropical, faroeste, policial, sem nada de romance. Só porrada. O riso é creditado às histórias mal costuradas, à interpretação mais artificial que a dos atores de novela mexicana e, principalmente, à precariedade dos efeitos e aos erros de continuidade. Um bom exemplo é uma sequência de Inferno no Gama, seu quarto filme, na qual o herói monossilábico e carrancudo, encarnado por Brazza, é claro, deita uma enorme pedra na cabeça do bandido fortão, que cai num lago com a pedra boiando a seu lado. A pedra era de papelão e o diretor nem se deu conta do erro. Percebeu a mancada só quando ouviu uma explosão de gargalhadas na estréia do filme.

Filme-síntese – Experts na obra do diretor dizem que seu filme-síntese é Inferno no Gama – Gama é uma cidade satélite de Brasília, onde fica a casa e o quartel-general do diretor. Para se ter uma idéia do estilo Brazza de filmar, a história começa com uma luta de boxe numa praça, enquanto passam os letreiros nos quais o diretor se multiplica: assistente de câmera, José Afonso Filho; diretor de produção, Brazza Filho; roteiro e direção, Afonso Brazza. Corte para uma mulher andando calmamente num lugar ermo, sem notar que, quase colado a ela, vem um bando mal encarado que a mata sem o menor motivo. Novo corte e surge o personagem Régis (Brazza) descobrindo o corpo. Seguem-se muitos tiros e lutas. Um dos figurantes morre. É o fim dele? Não. Como precisava de gente no filme, o mesmo homem reaparece mais tarde para morrer novamente. Sempre estrebuchando no chão. A platéia delira. E Brazza adora. Afinal, ele quer é filmar. Não importam as circunstâncias. Certa vez, sem condições de alugar um bom equipamento, arrumou um velho refletor em São Paulo para iluminar seu personagem que fora amarrado a uma árvore pelos bandidos, numa das raras cenas noturnas de suas fitas. Assim que ligaram o refletor, o aparelho explodiu, espalhou fogo e ninguém sabia o que fazer com o herói amarrado. Pânico inicial debelado, Brazza não se preocupou. Iluminou a cena com farol de carro.

A iluminação malfeita, contudo, não acontece somente por percalços como este. “Sempre usei negativo vencido, porque é mais barato”, conta. Resultado: cenas tão avermelhadas que um crítico afoito de Brasília, de brincadeira ou não, comparou com o vermelho perene estabelecido em Gritos e sussurros, de Ingmar Bergman. Hoje, já não é bem assim. Já usa negativo virgem, conseguido de maneira singular. “Olhe a matemática do Brazza”, avisa ele. “O cara quer fazer cinema comigo? Então, compra três latas de negativo virgem que tudo bem. Depois, com a bilheteria, eu pago o cachê.” Trabalhar com o cineasta, entretanto, não é tarefa para qualquer profissional. “Ninguém entende
o que estou filmando. Mudo todo o roteiro, ensaio várias vezes e falo para o ator que, se errar quando estiver rodando, ele paga a lata de negativo. Ninguém erra.” Apesar do regime de caserna, chove gente querendo participar, incluindo dois integrantes da banda Raimundos,
o não menos cult José Mojica Marins, o Zé do Caixão – segundo Brazza, seu professor de arte dramática –, e até Liliane Roriz, filha do governador de Brasília, Joaquim Roriz. “Eu nem sabia que ela era filha do governador. Como a achei muito bonita, a convidei para filmar. Quando soube,
levei um choque”, lembra.

Mas ninguém tem aparecido tanto em suas produções quanto a ex-estrela das pornochanchadas nacionais Claudette Joubert, por quem Brazza nutriu uma paixão secreta durante 25 anos e com quem está casado há 12. Ele a viu pela primeira vez como protagonista do filme Gringo, o último matador, de Tony Vieira. Depois de assistir 23 vezes à fita, arrumou um jeito de se mudar para São Paulo, onde se empregou como office-boy de uma produtora na chamada Boca do Lixo, região central da capital na qual se concentrava a maioria das produtoras de cinema. Lá, ele a conheceu pessoalmente. “Era uma amizade de respeito”, recorda. Desesperançado, voltou a Brasília, onde durante um tempo catou papel e vendeu picolé coberto da maior vergonha. “Mas eu tinha fé em Deus. Entrei para o Corpo de Bombeiros e comecei a fazer meus roteiros e a sonhar.” Até
que se encheu de coragem e não só chamou Claudette para trabalhar com ele como a pediu em casamento por telefone. “Ela pensou,
veio a Brasília e aceitou.”

Claudette Joubert, 51 anos, natural de Florínia, divisa de São Paulo com Paraná, tem dado grande incentivo ao marido. “O amor cobre muita coisa. E o amor que ele tem pelo cinema, pela arte o leva a fazer filmes cada vez melhores”, acredita ela, confessando às vezes não entender por que a platéia ri tanto durante as projeções. “O Afonso faz cinema sério e me incomoda um pouco ver as pessoas rindo. Mas se faz rir, tudo bem. A arte de fazer rir não é fácil”, diz a atriz, no cinema admiradora de histórias românticas, de época ou de “um épico bem produzido”. Por enquanto, Claudette pode ir se tranquilizando. A pecha de pior cineasta, segundo Brazza, em breve chegará ao fim. Ele é convicto de que o policial Fuga sem destino, seu oitavo longa-metragem, com previsão de lançamento em abril, deve provocar uma guinada na sua penosa trajetória. Trata-se de uma produção de R$ 368.545, uma fortuna comparada aos R$ 154 mil gastos em Tortura selvagem, a grade, o filme anterior. “Quero lançar em seis cinemas de Brasília, depois em São Paulo.”

Comédia dos erros – O enredo conta a história de Trovão, presidiário condenado a 60 anos de prisão, que arma uma fuga espetacular, aceita o serviço de um gângster como seu “último trabalho sujo”, mas em seguida tem de se livrar dos bandidos numa “verdadeira fuga sem destino”. No elenco, o trio de base Brazza-Claudette-Liliane e mais Ricardo Noronha, Carlinhos Beauty e Joaquim Marques, três fiéis colaboradores na arte da comédia dos erros. Pela primeira vez, Brazza – que faz a linha Stalone-Schwarzenegger sem camisa – vai ter um romance com uma mulher em trajes ínfimos. Ela é Flávia Vidal. “Viviam me perguntando se eu
era gay, porque não mostrava mulher sem roupa, então resolvi
colocar uma”, justifica. “Sempre ganhei três estrelas do jornal Correio Braziliense. Agora, quero cinco.” Então Brazza, pode vir quente que
o público vai estar fervendo.