Aos 30 anos e considerado um dos maiores nomes do rap americano, apesar de branco, o controverso Eminem estréia no cinema como qualquer estrela pop antes dele. Ou seja, representando a si mesmo ou pelo menos dando a entender que o verdadeiro “ele” é “isso” a que se assiste. 8 mile – rua das ilusões (8 mile, Estados Unidos, 2002) – cartaz nacional na sexta-feira 21 – é um típico filme jovem de matinê, mais para Ao mestre com carinho, o drama açucarado dos anos 60 com Sidney Poitier, do que para Sementes da violência, a fita que apresentou o rock’n’roll ao mundo. Nos Estados Unidos teve lá seu razoável poder de fogo. Arrecadou US$ 56 milhões no fim de semana de lançamento, 15 milhões a mais do seu custo.

Passado na Detroit de 1995, 8 mile – referência à avenida que separa
as áreas ricas das pobres naquela cidade – conta a história do rapper Bunny Rabbit (Eminem), operário nas horas úteis que, depois de se separar da namorada, volta a morar com a mãe num trailer. Stephanie (Kim Basinger), a mãe, é uma alcoólatra infantilizada, que vive em bingos à cata de empregos e namorados, sem dar maior atenção à filha caçula. O sonho de Rabbit é gravar um disco e ser reconhecido. Apoiado pela
sua turma formada por negros do bem, ele precisa enfrentar os negros maus da gangue Líderes do Mundo Livre num concurso de rappers, mostrado no filme como uma mistura de desafio nordestino e ritual
maori embalado por ritmos eletrônicos.

Para balancear a história pueril, o diretor Curtis Hanson, de Los Angeles – cidade proibida e Garotos incríveis, tratou de incluir personagens menos maniqueístas, como Wink (Eugene Byrd), o elo entre o movimento hip
hop e as gravadoras, Alex (Brittany Murphy), a nova namorada de Rabbit, e dois irmãos hilariantes, Sol George (Omar Benson Miller), gordo e fanfarrão, e o DJ Iz (De’Angelo Wilson), magro, legalista e metódico.
Em uma das cenas, uma televisão exibe Imitação da vida, de Douglas Sirks, no qual uma garota quase branca renega sua ascendência negra. No filme e, de certa forma, na vida real, Eminem vive a situação ao contrário – em dado momento faz um bom improviso à maneira black
da canção Sweet home Alabama, rock clássico do grupo ultra-sulista americano Lynyrd Skynyrd.

Nascido em Kansas e batizado Marshall Bruce Mathers III, ele não foi o primeiro branco a vencer no rap – houve os nova-iorquinos Beasties Boys – e muito menos o primeiro rapper a chegar às telas, território de Ice Cube, Ice T e Tupac Shakur até ser assassinado. Mas seu carisma é inegável. Nos palcos e agora no cinema, sua presença se mostra marcante. No entanto, vendido como semi-autobiográfico, o filme não poderia ser mais irônico. Homofóbico, armador de confusão e detrator da mãe, na tela Eminem vira um verdadeiro anjo mostrando ao mundo um rap cheio de mensagens positivas. A música-tema, Lose yourself, por sinal, composta por ele em parceria com Jeff Bass e Luis Resto, concorre ao Oscar de melhor canção.