Andrea Schwarz tem 26 anos, é bonita, alegre, bem-sucedida, bem casada e paraplégica. Vítima de uma má-formação na medula espinhal, há cinco anos ela usa uma cadeira de rodas para se movimentar. Assim que se viu nessa situação, Andrea percebeu que o Brasil não está preparado para atender os 25 milhões de brasileiros que têm algum tipo de deficiência (física, mental, auditiva, visual ou múltiplas). “Constatei que não havia o mínimo de informação e atenção para os deficientes. Era como se eu não fosse consumidora, não comesse, não saísse de casa”, conta. Essa constatação bastou para que ela e o marido, Jaques Haber, se envolvessem em projetos para melhorar a vida dessas pessoas – em 2001 eles lançaram o único guia para deficientes de São Paulo, o São Paulo adaptada.

Agora, o casal está envolvido em uma empreitada mais ambiciosa. Os dois montaram uma consultoria em acessibilidade. “Vamos assessorar os interessados em criar condições para atender os deficientes, mas não sabiam como”, resume Haber. O trabalho consiste em indicar mudanças físicas nos locais – hotéis, restaurantes ou outros estabelecimentos públicos – e treinar os funcionários para um correto atendimento. Andrea e Haber cuidam, por exemplo, para que os banheiros sejam adaptados com as medidas certas, as mesas do restaurante sejam altas o suficiente para o encaixe da cadeira e para que a altura dos sacos plásticos destinados a verduras e frutas em supermercados seja acessível a quem está na cadeira. Mas, com sua experiência, Andrea sabe que só garantir o acesso não resolve. “A acessibilidade não serve para nada se os funcionários não souberem como tratar essas pessoas”, afirma. Por isso, eles orientam os empregados a darem aos deficientes o mesmo tratamento dispensado a outras pessoas.

O trabalho da dupla pode ser conferido em 31 lojas da rede de supermercados Pão de Açúcar, que contratou o casal para transformar suas unidades em modelo no atendimento a deficientes. “O que em geral falta aos funcionários é informação”, diz Andrea. Foi isso o que eles ofereceram. Fizeram palestras e promoveram atividades interativas para que os empregados sentissem – pelo menos um pouco – o que é ter alguma deficiência. Os atendentes fizeram compras com os olhos vendados, deram uma volta no quarteirão na cadeira de rodas e sugeriram mudanças que facilitassem a vida de quem vive na situação que eles experimentaram. Uma das técnicas mais eficazes é dar exemplos do que não fazer e não dizer. “Não pegar no braço de um deficiente visual sem que ele peça, não gritar com um deficiente auditivo, não empurrar a cadeira de rodas se a pessoa não pedir e não perguntar o que aconteceu para ele ficar assim é um bom começo”, ensina Andrea.

Istoé convidou Thiago Del Bel, 28 anos, há dez anos paraplégico depois de um acidente de carro, para avaliar as mudanças. Ele aprovou. “O atendimento está excelente, os funcionários não ficam oferecendo ajuda e quando pedi uma indicação a pessoa não pegou na cadeira, o que é comum, mas foi andando ao meu lado até o local. Eles sabem o que e por que fazer”, comenta. Ele observou uma alteração interessante. “Quando procurei algo que estava em uma prateleira alta, percebi que o produto era repetido num nível mais baixo. Não precisei pedir ajuda para pegá-lo”, conta. Banheiro com os acessórios corretos e cadeiras motorizadas com cesto grande também foram aprovados por Thiago. Outras 19 lojas estão passando pelas transformações sugeridas por Andrea e Haber. O objetivo do Pão de Açúcar é promover as adaptações em todas as unidades do grupo, que incluem as lojas Extra, Extra Eletro e Barateiro. “Ficamos surpresos com a repercussão. Clientes nos procuraram para elogiar a iniciativa e funcionários ficaram mais motivados”, conta Sônia Manastran, gerente de marketing do Pão de Açúcar.

Cheios de trabalho, Andrea e Haber estão envolvidos em outro projeto que promete bons resultados. “Só não podemos dizer ainda quem é o cliente, mas faremos mudanças em seus espaços em todo o País”, diz a consultora. Na verdade, oferecer consultoria a empresas interessadas em melhorar a vida dos deficientes é uma atividade que vem ganhando força. O engenheiro paulista Ricardo Hodish, 39 anos, é outro profissional especializado em acessibilidade. Na cadeira de rodas há 12 anos, ele também é voluntário na Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA), ligada à Secretaria Municipal de Habitação. Ele ajuda a fiscalizar as condições de acesso de deficientes a espaços públicos. E é ele quem explica por que uma assessoria é importante. “Muita gente tem boa vontade, mas isso não basta. Se os botões de um elevador estão altos demais, se a porta não tem sinalizador sonoro e indicações em braile, por exemplo, o prédio deixa de ser acessível”, explica.

A vida num toque
   
É tocando a tecla de um controle remoto supersofisticado que os moradores da casa Gizmo (gíria para tecnologia, em inglês), em Miami (EUA), abrem a geladeira, fecham a cortina, ligam o fogão, fazem uma chamada telefônica e muito mais. Eles são seis jovens, entre 19 e 36 anos, com sérias deficiências mentais e físicas. Em outro lugar, com certeza nem sequer ligariam a televisão sozinhos, mas ali eles conseguem tudo. A casa foi construída em 1998
pelo Centro Ann Storck, instituto americano que cuida de crianças deficientes. “Essa é uma casa-modelo. Infelizmente, não podemos construir várias delas, mas certamente essa residência servirá de
base para projetos mais simples no futuro”, afirmou a ISTOÉ James McGuire, diretor executivo do centro. O projeto custou US$ 800 mil, financiado com doações e apoio do governo. O resultado é surpreendente. Há na casa apenas quatro auxiliares que ajudam os residentes a fazer coisas como passar da cadeira para a cama. O resto é feito por eles. “Por meio da tecnologia, damos a essas pessoas a possibilidade de fazer escolhas. Vê-los com atitudes independentes é maravilhoso”, comemora McGuire.
Lia Bock, Miami