Respeito a opinião de todos os meus amigos e amigas que têm pouca paciência para conversar com motoristas de táxi. Mas sinto informar-lhes que eu adoro. É um jeito rápido e eficiente de captar parte da cor local, além de aumentar a cultura com novos capítulos da vida em forma de literatura oral. Sob esse ponto de vista, o dia de hoje em Londres foi inesquecível.

Há duas maneiras de tomar um táxi na cidade: a racional e a fetichista. Quem é dominado pela primeira tem sempre na carteira o telefone de uma rede de minicabs – que de mini não têm nada; são carros tamanho família, legalizados e sem sinais externos de sua função. Já os passageiros que se deixam levar pelo fetichismo pagam até três vezes mais para circular em um daqueles táxis típicos. Afinal, para quem desembolsa 100 dólares para dar uma voltinha de gôndola em Veneza, isso não é nada.

Como não estamos aqui para brincadeira, eu e o editor Amauri Segalla optamos pela via racional para transpor os cerca de 40 minutos que separam o Crystal Palace (centro de treinamento do Time Brasil) e o nosso hotel, no centro da cidade. Combinado com antecedência, o preço da nossa corrida ficou em 22 libras. Não estava embutido no valor o papo delicioso que tivemos com o nigeriano Abbey.

O homem começou a ganhar nossa simpatia ao mostrar o quanto ama o Brasil. Ao ouvir nossa conversa no banco de trás, soltou um “brazilians?”. Respondemos afirmativamente e perguntamos como é que ele sabia. Apontando pra mim, ele disse num inglês a princípio difícil de entender: “A cor da pele dele”. Senti que, finalmente, chegou a hora de essa gente bronzeada mostrar seu valor.

Pensamos que, ao identificar a nossa nacionalidade, ele iria começar a desfilar aquele cipoal de clichês boleiros. Mas, em vez de Romários e Ronaldos, ele falou de algo muito mais surpreendente. “Dei ao meu filho o nome de Senna, em homenagem àquele piloto de vocês.” Depois de soltarmos uns três “you’re kidding”, o homem fez questão de dizer que o nome era esse mesmo. Disse mais: o filho é jogador de futebol. E dos bons. “Um dia vocês vão vê-lo jogando pela seleção inglesa. Guardem bem esse nome: Senna”, vaticinou, enquanto cantarolávamos internamente o “tã tã tã… tã tã tã…”, trilha das vitórias do brasileiro.

Daí pra frente, não teve jeito, o assunto descambou para o futebol. “Que jogador brasileiro você conhece?”, perguntamos. O nome de Neymar saiu quase como um soluço da boca de Abbey. Depois, quisemos saber de que times brasileiros ele já tinha ouvido falar. “Santos, Botafogo”. A cada resposta dessa, meu coração santista e pouco generoso quando se trata de gorjetas foi amolecendo.

Quando estávamos perto do destino, quisemos saber o que ele tinha para dizer sobre a crise europeia. “Não tenho do que reclamar. Há muito trabalho na Inglaterra para estrangeiros” – hoje ele é cidadão britânico porque Senna nasceu súdito da rainha. Queixou-se apenas dos donos de imóveis, que valorizaram os aluguéis em até 100%, recorde motivado pela febre olímpica.

Abbey deixou a sua Lagos natal há 25 anos, tempo que vem entretendo passageiros pelas ruas da capital britânica. Por isso, meus amigos e minhas amigas, caso vocês entrem num Nissan Quest prata pilotado por um negro retinto na casa dos 60 anos, tenham paciência com ele.