Pai de três mulheres, o economista e consultor de empresas chileno Julio Lobos, 57 anos, tem razões profundas para se preocupar com o universo feminino. PhD em relações industriais pela Cornell University, nos EUA, ex-professor visitante da London Business School, ele veio para o Brasil para dar aulas na Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo, em 1974, e foi conquistado pela informalidade do povo brasileiro. Desde então, mantém seu olhar no mercado empresarial. E agora resolveu juntar a formação acadêmica e profissional à preocupação doméstica para se tornar um pesquisador de mulheres de sucesso. Passou os últimos dois anos e meio colhendo informações sobre 550 delas, em todos os Estados. Ele quis saber se estavam felizes com sua trajetória. Descobriu que sim. Elas vão muito bem, obrigada. Mas não estão preocupadas com seu papel social. Ao mesmo tempo que homenageia essas mulheres poderosas em seus dois últimos livros – Mulheres que abrem passagem, lançado em 2002, e Amélia, adeus, que acaba de chegar às livrarias –, o pesquisador critica o comportamento individualista e a falta de consciência sobre o poder que têm. De sua casa em Jundiaí (SP), Julio Lobos falou a ISTOÉ:

ISTOÉ – Como surgiu a pesquisa e o que exatamente
o sr. quis estudar?
Lobos
– No primeiro livro, avaliei a situação da mulher que após cinco mil anos está numa situação absolutamente inédita, nunca antes imaginada, inclusive por ela. Ao longo da história a mulher foi subjugada por motivos religiosos, e até científicos. Fiquei espantado ao perceber o quanto tinha sido roubado da mulher durante os séculos. Decidi entrevistar executivas e empresárias e Amélia, adeus é o resultado dessa pesquisa. Fala sobre como conciliam trabalho e família, sobre discriminação, poder e ética. Fala como chegaram a ser o que são e como não são o que a mídia, principalmente, diz que são. A empresária e a executiva simbolizam a mulher de sucesso, mas a presença delas no mercado dá a entender que muitas outras chegaram lá.

ISTOÉ – O sr. quer dizer que isso não é verdade?
Lobos
– Não se discute se a mulher pode se igualar ao homem. Mas isso não é realidade. Se houvesse igualdade, ela ganharia os mesmos salários e estaria em todos os setores industriais. Do total dos 1.500 executivos no comando das 500 maiores empresas, as mulheres são apenas 60, o que dá 4%. As pesquisas que dizem que as mulheres ocupam 30% dos cargos executivos são irreais. Na verdade, elas se concentram em setores como recursos humanos, marketing, promoção e vendas, mas não há tantas em tecnologia, em finanças. Os números sobre diferença salarial são dúbios, uns dizem que é de 15%, outros que é de 30%. A mulher não tem hoje a projeção que se diz, o que é muito ruim para ela. Porque se imaginamos que ela já chegou lá, não vamos nos preocupar com ela nem com seus conflitos.

ISTOÉ – As empresas não estão preocupadas
com a questão feminina?
Lobos
– Por que uma empresa iria se preocupar com a questão das mulheres que chegam aos 35 anos, tida como idade limite para ter filhos? Em igualdade de condições, a empresa prefere apostar no homem. As mulheres poderosas já têm uma identidade e sobretudo se mostram diferentes das de países mais avançados, mas falta muito ainda.

ISTOÉ – Qual é a diferença?
Lobos
– Algumas pesquisas dizem que as que se dedicaram à carreira são tristes e solitárias. A minha não diz isso. Talvez gostássemos que isso fosse verdade porque soa poético. Mas a brasileira está bem em casa. Muitas são casadas e se dizem apoiadas pelos parceiros. Não no sentido de que o marido lava roupa, cuida das crianças, até porque elas têm mães ou serviçais para isso, coisa que a americana não tem. A poderosa brasileira tem espaço para outros em sua vida, o que não acontece nos Estados Unidos e na Inglaterra. Nos países mais avançados, a relação com o trabalho atropela o lar. O livro chama-se Amélia, adeus porque fica claro na pesquisa que a brasileira executiva pioneira que apareceu nos anos 70 veio para ficar.

ISTOÉ – Mas o sr. acha que ainda havia dúvidas quanto a isso?
Lobos
– Eu cheguei no Brasil nesta época para lecionar na Getúlio Vargas e até nós, professores, víamos essa mulher como uma esportista, alguém que passava o tempo antes de casar. Ela não era uma concorrência real. Isso passou. Trinta anos depois, essas mulheres estão aí para fazer carreira, casadas ou solteiras, com ou sem filhos. E procuram no trabalho não apenas prestígio e dinheiro, mas uma alternativa existencial. Elas querem algo que valha a pena.

ISTOÉ – As mulheres estão confortáveis na administração da vida profissional e da familiar?
Lobos
– Elas estão conseguindo administrar as duas coisas. Há diferenças entre conseguir administrar e estar confortável. O que ocorre nos EUA, que é onde nos espelhamos, é que a americana está muito desconfortável. Ela não tem onde deixar os filhos, ela casa com alguém e faz um contrato. A brasileira deixa os filhos com babás ou parentes e não tem essa noção de contrato comercial com o marido. A relação é de companheirismo. A maioria das executivas brasileiras não se sente culpada por deixar o lar “abandonado”. Elas acham que esta é a vida. E por esta razão, infelizmente, as empresas não são objeto de crítica por não dar atenção às particularidades femininas.

ISTOÉ – Não há um certo pudor da mulher em relatar dificuldades por não estar se dedicando mais à família, já que isso não faz parte do discurso masculino?
Lobos
– O ponto de realização pelo qual essa mulher está curiosa
é a carreira. Ela está fascinada pelos mistérios da profissão, que ainda
é masculina. Mandar, comandar, demitir, fazer investimentos, assumir riscos é masculino. Há pudor no sentido de não dar a entender o que
está acontecendo com ela. Ela segura essas expressões porque não
quer mostrar fraqueza. Ela está num círculo no qual não pode externar isso. Mas a funcionária que ganha pouco, tem que pegar um trem
e não tem com quem deixar os filhos tem um problemão. Vive uma situação igual à da americana.

ISTOÉ – A flexibilização de horários, que não é uma prática no Brasil, não seria uma solução?
Lobos
– Isso é lírico. Fala-se nisso há 20 anos. Não convém às
empresas. Nada acontece sem pressão política. E a pressão vai vir de onde se as mulheres não são unidas? Não há platéia masculina para problemas femininos. Por isso a mulher poderosa que estudei é tão importante. Ela é formadora de opinião. Só que é solitária politicamente. Ela não se interessa em formar uma classe em defesa das questões femininas. Para o homem também existe a preocupação com a família. Mas ele não fala. Quando a mulher cai no mundo do poder, do domínio, suas reações não são muito diferentes das masculinas. A mulher presa
a este esquema hierarquizado, corporativo, vai ser subjugada do mesmo modo que o homem foi.

ISTOÉ – Mas em países europeus, por exemplo, há uma
grande preocupação com qualidade de vida, que inclui
o tempo com a família.
Lobos
– Na Europa é diferente. Até os homens têm licença maternidade prolongada. Há uma tradição socializante. O Estado cuida do cidadão, com saúde, educação, previdência. A questão ideológica condiciona a economia. Nos EUA, é o contrário. O Estado não financia nem as empresas têm subsídios por isso. Para mudar alguma coisa, é preciso ser politicamente forte. Nos EUA, o ministro responsável pela área de comunicações recebeu uma carta com cerca de um milhão de assinaturas de mulheres que não querem apenas ser contratadas, mas também galgar postos de comando e salários.

ISTOÉ – É necessário, então, fazer mais barulho?
Lobos
– Se no mercado há centenas de cargos de diretoria e eu tenho apenas duas ou três mulheres na disputa, por que se preocupar com elas? Agora, se houvesse 250 contra 250 seria outra história. As mulheres não ocuparam nem os 30% a que tinham direito nos partidos políticos. E isso ocorre tanto aqui quanto na Inglaterra. A mulher, em geral, não tem apetite para o poder como o homem tem.

ISTOÉ – Mas tem a preocupação com o bem comum. Por que isso não se traduz em representação política?
Lobos
– A mulher poderosa ralou muito para chegar onde está. Ela sabe disso e, em geral, está preocupada em se sustentar onde está. Quanto mais se sobe mais o ar fica rarefeito. Não há união nem interesse em asfaltar o caminho para as que vêm atrás.

ISTOÉ – A mulher proletária tem mais capacidade de organização que a executiva?
Lobos
– Historicamente sim. As primeiras expressões feministas foram de artistas no século XIV. Depois, as feministas vindas do movimento sindical europeu. Elas encontraram guarida para as suas idéias nas assembléias sindicais entre as duas grandes guerras. Muitos criticam o movimento feminista, mas foi ele que conseguiu mudar alguma coisa. Uma mulher executiva é tratada na empresa como executiva, enquanto uma mulher no seio do sindicato tem que ser tratada como força política. Dentro das empresas, a mulher se diz feliz e não discriminada. Ela desfruta uma posição de equilíbrio perante seus colegas homens nas reuniões, no relacionamento no trabalho. Nesse sentido, não é discriminada. Mas ela não ocupa 50% dos cargos executivos e ganha menos.

ISTOÉ – Ela considera a discriminação subjetiva e não a objetiva?
Lobos
– Exatamente. Ela não vê ou não quer ver a discriminação. Ela se preocupa com discriminação cosmética. Mas isso não a leva a melhores salários e cargos. Há dez anos sai da Getúlio Vargas e da Escola Superior de Propaganda e Marketing, de São Paulo, o mesmo número de homens e mulheres formados. Como se explica um desnível tão grande dentro das empresas? Esse é um indicador de que há uma discriminação institucional.

Luta feminina
    
A igualdade entre mulheres e homens é fundamental para um efetivo combate à pobreza extrema e à fome no Brasil e no mundo. Esta tese foi apresentada na sexta-feira 7 pela ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Emília Fernandes, 53 anos, na sessão da ONU em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Esta foi a primeira vez, em 47 anos, que o Brasil foi representado na sessão especial por uma mulher do primeiro escalão. Segundo a ministra, o Programa Fome Zero, criado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é um bom exemplo. “Nas áreas carentes do Brasil, a maioria das casas tem mulheres como responsáveis, pois os homens migraram para outras regiões em busca de emprego”, comenta. Emília destacou a experiência de Lula, filho de migrantes e membro de uma família que teve como chefe da casa a mãe, como fator positivo para defender a causa das mulheres.

A ex-senadora do PT do Rio Grande do Sul defendeu a paz e relatou as mudanças que o governo Lula está realizando. “Pela primeira vez, o Brasil tem quatro ministras mulheres”, destacou. Emília falou em português, com trechos em espanhol em homenagem ao Mercosul. Criada em Livramento, na fronteira com o Uruguai, ela tem o espanhol como segunda língua. “Foi uma opção política falar em português”, afirmou. Quando voltar de Nova York, Emília Fernandes, que é mãe de dois filhos, vai se engajar na luta pela preservação das conquistas das mulheres, como a licença maternidade de 120 dias e a aposentadoria aos 55 anos. “Já avisei ao Ricardo Berzoini (ministro da Previdência) que isto é intocável. E vou integrar as mulheres nessa luta”, afirma. Como aliadas, ela inclui as outras três ministras, as 44 deputadas federais e as dez senadoras. “As mulheres realmente estão vivendo mais. Mas têm uma sobrecarga de vida, pois trabalham, cuidam das tarefas domésticas, dos doentes, dos idosos e, claro, dos filhos. É, no mínimo, uma tripla jornada de trabalho”, afirma.

Eduardo Hollanda