Saddam Hussein sofreu sua primeira derrota na nova rodada de investidas contra ele iniciada pelos Estados Unidos. Na semana passada, foi a vez de o Parlamento iraquiano firmar posição contra os desejos manifestados pelo ditador. Rejeitou por unanimidade os pedidos de aprovação à resolução do Conselho de Segurança das Organizações das Nações Unidas, que exige inspeções mais rigorosas nos arsenais do país. A disposição negativa ocorreu a despeito das súplicas a favor do consentimento feitas
pelo temido parlamentar Uday Hussein, filho mais velho de Saddam. Trata-se de uma surpreendente rebeldia do corpo legislativo de uma nação cujo presidente foi recentemente eleito com 100% dos votos. Pelos corredores da ONU, porém, a recém-adquirida firmeza de propósitos dos políticos iraquianos foi recebida às gargalhadas. “Ninguém acredita que o Parlamento tenha desenvolvido espinha dorsal repentinamente”, disse a ISTOÉ Hans Blix, presidente executivo da Comissão de Monitoramento, Verificação e Inspeção da ONU. Ele aponta o fato de a Assembléia iraquiana ter deixado amplas facilidades para que Saddam decidisse pela aceitação da resolução. E foi isso mesmo que ele fez. Na quarta-feira 13, seu governo anunciou que acatava incondicionalmente as imposições da comunidade internacional. Assim, os diplomatas ocidentais já davam como certo o cumprimento do calendário de inspeções forçadas, com equipes de investigadores internacionais desembarcando em Bagdá já no próximo dia 18.
     

Na Casa Branca, porém, essa convicção não era compartilhada. Imaginava-se em Washington que a aquiescência iraquiana à resolução era apenas o pontapé inicial no jogo de esconde-esconde de evidências do qual Saddam é campeão. A exemplo do que ocorreu nas investigações interrompidas há quatro anos, os Estados Unidos esperam enormes dificuldades para passar o pente-fino nos mais de 100 locais suspeitos de armazenar ou fabricar armas de destruição em massa. Por via das dúvidas, na mesa do presidente americano, George W. Bush, já estavam estendidos os planos de invasão do Iraque. As estratégias de ação, vazadas para a imprensa no mesmo dia em que o Conselho de Segurança aprovava por unanimidade as inspeções, apenas confirmam aquilo que anteriormente fora publicado nos jornais. O modus operandi dos ataques – aprovados por Bush, diga-se, muito antes das decisões na ONU – envolveria entre 200 mil e 250 mil soldados assaltando o Iraque por terra, mar e ar. A ofensiva seria iniciada, segundo o jornal The New York Times, com levas de bombardeios, com tempo de duração mais curto do que se viu na primeira guerra do Golfo. Em seguida, comandos de elite vão procurar assegurar cabeças de ponte no território do país. A intenção logo no início é isolar a liderança do inimigo. Depois, três frentes de investidas simultâneas devem ser montadas a partir do sul, norte e leste iraquianos. O Departamento de Estado conta como inegáveis os apoios de três países vizinhos na região para bases de operação: o Qatar (com o novíssimo centro de comando e base aérea montados naquela nação) a Turquia e o Kuait (onde já se têm acúmulo tradicional de homens e recursos), que receberão mais reforços.

Reversão de expectativas – No papel, como reconhece o chavão militar, os planos são sempre muito bons. Mas, na prática da guerra, as estratégias certeiras costumam cair como os soldados abatidos. “Um dos problemas nesses planos é que não pode haver muitas reversões de expectativas. E os erros, como sabemos, são presenças constantes nos campos de batalha”, diz ninguém menos que o general da reserva Wesley Clark, ex-comandante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). E o pico de um autêntico iceberg de “reversões de expectativas” já desponta no horizonte. No topo dele está o calendário de ações. Perdeu-se neste ano a oportunidade para a luta em tempo ameno. O próprio presidente executivo da Comissão de Monitoramento da ONU admite que seus trabalhos devem apresentar conclusões por volta de fevereiro próximo. Só depois disso, o Conselho de Segurança decidirá se o Iraque conduziu satisfatoriamente a exigência de desmanche dos arsenais de armas de destruição em massa. No caso da negativa, nova rodada de negociações deve ocorrer para que a ONU dê sua bênção às represálias manu militari dos Estados Unidos. Isso tudo requer longa perda de tempo. Se a invasão do Iraque começar somente depois disso, as tropas americanas – e seus aliados britânicos – estarão ameaçadas de torrar no teatro de operações: a região já estará sob o clima infernal, ao pé da letra, do verão na região. “Durante os preparativos para a primeira guerra do Golfo, vários equipamentos militares aliados sofreram panes devido às condições climáticas na área”, diz o general Clark. “Soldados sofreram estafa por causa do calor e veículos ficaram inoperáveis. Agora, com a ameaça de uso de armas químicas e biológicas iraquianas, as tropas ocidentais têm de considerar o uso de roupas protetoras. Dentro delas, o calor será insuportável”, conclui. E na semana passada, os serviços de inteligêcia americanos revelavam que Bagdá estava tentando comprar, secretamente, antídotos contra os efeitos de armas químicas. O que provaria as intenções de Saddam em usar seu suspeitado arsenal.

De olho na folhinha, forma-se um pelotão no Pentágono de proponentes do adiamento até o outono (nos finais de setembro, no hemisfério norte) para os ataques. Mas a paciência da águia americana tem agora a profundidade de um pires. A linha dura do governo George W. Bush não acredita que Saddam vá estender tapete vermelho aos inspetores da ONU. Dão como certa a brincadeira de gato e rato em que o arsenal e as fábricas de armas são escamoteadas em buracos secretos. Há também o medo de que, neste ínterim, o Iraque consiga refinar seus recursos para contra-ataques ainda mais mortíferos. Além disso, as intenções dos Estados Unidos não se restringem apenas ao desarmamento, como propõe a ONU, mas englobam também a mudança de regime em Bagdá. Por tudo isso, a impressão generalizada em Washington é a de que a guerra ameaça começar em janeiro ou fevereiro, mesmo sem a chancela da ONU.