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O ditador soviético Josef Stalin tinha tanto medo do pai que, ao menor sinal de sua aproximação, ele corria para o colo da mãe, Ekaterina Djugashvili, a Keke, pedindo socorro. Aos prantos, implorava à mãe permissão para poder se esconder na casa dos vizinhos até que seu pai finalmente caísse no sono. Só então o menino voltava para casa, na Geórgia, sua terra natal. Na verdade, essa era apenas mais uma faceta da relação extremamente conflituosa que o garoto, que um dia se transformaria em uma das maiores personalidades do século XX, mantinha com o pai que jamais aceitou.

O fato é um dos segredos garimpados pelo historiador britânico Simon Sebag Montefiore, autor de Young Stalin (O jovem Stálin, em português), recém-lançado na Inglaterra. Autor de Stalin, a corte do czar vermelho, obra na qual revela detalhes da vida e dos jogos de poder em torno do ditador, Montefiore desta vez resolveu ir fundo na infância e na juventude de Stálin. E acabou traçando um retrato preciso, cortante e surpreendente do líder soviético graças principalmente às informações extraídas de um rico material deixado pela mãe de Stálin. As memórias de Keke, como a mulher era conhecida, estavam guardadas na Geórgia, em um arquivo mantido até então a sete chaves pelo governo local. Só foram resgatadas depois de um pedido feito pelo historiador às autoridades da região.

O material revela um Stalin por vezes sensível, especialmente no que diz respeito ao pai, Beso, um sapateiro alcoólatra que viu sua carreira e seu casamento se arruinarem por causa da bebida. “Meu Soso (diminutivo de Josef) era uma criança muito delicada. Mal ouvia o som da cantoria de seu pai bêbado vinda da rua, ele corria para mim pedindo para ficar na casa de nossos vizinhos”, conta Keke. Nos relatos, o garoto também aparece desde cedo como uma pessoa ambiciosa, sedenta por conseguir espaço para uma inteligência que sabia ser muito maior do que a média e que, por isso mesmo, chamava atenção. Nos seus esforços, contou com a ajuda da mãe para ganhar uma bolsa de estudos em um seminário em Tiflis, hoje Tbilisi, capital da Geórgia. Mas, no momento de se mudar, de novo aparece o temor, e a raiva, do pai. “No trem, ele começou a chorar. Mamãe, e se quando chegarmos à cidade o pai me encontra e me obriga a ser sapateiro? Quero estudar. Prefiro me matar a virar um sapateiro”, disse o menino à mãe. Keke, então, teria abraçado e consolado o filho. “Eu o beijei e enxuguei suas lágrimas. E disse: ninguém nunca vai impedi-lo de estudar e ninguém vai afastar você de mim”, contou.

Na escola, Soso sempre se destacou intelectualmente. Tinha as melhores notas e lia o que podia. Como dispunha de pouco dinheiro, emprestou cinco kopeks (divisão do rublo) para poder comprar O capital, a principal obra de Karl Marx, o fundador do comunismo. Conheceu também o pensamento de Charles Darwin e sua teoria da evolução das espécies. Foi na adolescência, porém, que surgiram os sinais mais evidentes da rebeldia de Stálin. Quando ainda estava no seminário, arranjou uma grande confusão ao declarar que o czar Nicolau II deveria ser deposto. Keke, numa tentativa de evitar a expulsão do filho, tentou acalmá- lo. “Ele gritou que aquilo não era da minha conta”, escreveu.

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FAMÍLIA Keke, a mãe, fala de um jovem Stálin (foto acima) rancoroso e com vergonha do pai

Nas memórias de sua mãe, porém, nada havia de conclusivo sobre um dos aspectos mais obscuros da biografia do ditador. Keke não revela se Stalin de fato era filho de Beso ou de outro homem. Informações de que na verdade ele seria filho ilegítimo o perseguiram durante toda a vida. Mas Keke se limitou a mencionar a existência de um rico comerciante que ajudaria nas despesas da família, sem fornecer maiores detalhes sobre a identidade do tal benfeitor. A proximidade de sentimentos entre Stálin e a mãe experimentada na infância não se repetiu na juventude e na maturidade. Keke morreu em 1937, na Geórgia, de onde nunca quis sair, mesmo com o filho reinando absoluto no Kremlin.