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No Brasil desde outubro de 2010, o embaixador do Iraque, Baker Fattah Hussen, não vê a hora de ser recebido pela presidenta Dilma Rousseff. Na audiência oficial, cuja data ainda depende de confirmação do Palácio do Planalto, Baker levará um longo vestido de seda colorido, bordado à mão com delicadas lantejoulas douradas. Trata-se de um traje de festa usado pelas mulheres curdas. Na avaliação de Baker, a história de superação curda no Iraque se assemelha com a de pessoas como a presidenta Dilma Rousseff, que pegaram em armas para enfrentar regimes ditatoriais. “Estou ansioso para entregar esse presente por tudo o que a presidenta representa”, disse o embaixador. O gesto seria impossível há uma década, quando os curdos eram considerados inimigos do regime iraquiano e quase foram exterminados. Em 1980, recém-formado em química, Baker sentiu-se obrigado a aderir à guerrilha, que começava a se instalar nas montanhas de Sulaimaniya, na região do Curdistão, norte do país. Pela sua formação, logo foi alçado ao topo da liderança da resistência, traçou estratégias com seus companheiros, enviou códigos cifrados por rádios clandestinas, lutou e conseguiu sobreviver a nove anos de luta armada. “Não queríamos a guerra, mas não havia diálogo. Os curdos analfabetos eram presos. Os que sabiam ler, degolados. Vilas inteiras foram destruídas. Minha mãe e meu irmão foram presos e eu precisei lutar para viver”, disse Baker.

O diplomata conta que, todos os dias, sua meta era simplesmente manter-se vivo. Para isso, passava semanas sem poder descer das montanhas, escondido dentro de cavernas e só saía à noite para beber leite de cabra e comer pão. A fase mais difícil foi entre 1980 e 1984, quando cerca de cinco mil peshmergas – nome dado aos guerrilheiros que significa em curdo “aqueles que enfrentam a morte” – viviam sem nenhum tipo de ajuda estrangeira. Mas também foi uma época feliz para ele, quando conheceu a também guerrilheira, hoje embaixatriz, Kajal Ahmad Ali, mulher de olhar firme, cabelos compridos e traços elegantes. Em 1985, a força curda contra Saddam triplicou. As pessoas saíam das cidades em direção às regiões proibidas e a guerrilha tinha mais de 15 mil militantes. O governo iraquiano havia mandado evacuar toda a área de fronteira com a Síria, Turquia e o Irã, e era justamente nesse local que eles se concentravam. “Todo o nosso povo nos ajudou. Quando descíamos das montanhas, encontrávamos casa e comida. Foram tempos duros, mas desfrutei de uma liberdade indescritível”, diz Baker.

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Com marcas pelo corpo de estilhaços de bomba e sem poder dobrar dois dedos da mão esquerda, Baker conta que chegava a passar 14 horas seguidas com o fuzil em punho. Lembra em particular de uma manhã em novembro de 1987, quando os soldados de Saddam Hussein jogaram armas químicas contra seu grupo. “Quando caem no chão, as bombas químicas estouram e se dividem em grandes pedaços. A fumaça tem um cheiro específico. Mas só sabia disso porque sou químico”, conta. Em março de 1988, cinco mil curdos de Halabja não tiverem a mesma sorte.

Os curdos são descendentes do antigo Império Persa e, a exemplo dos palestinos, buscam a formação de um Estado próprio com mais força desde 1960. Em 1986, a campanha de Anfal, cujo nome saiu de um capítulo do Alcorão que significa “pilhagem de guerra”, matou mais de 200 mil curdos. “Na guerrilha, éramos um para cada 200, 300 soldados”, afirma Baker. Em 1989, Baker pediu asilo político ao Irã e foi nomeado representante do seu atual partido, a União Patriótica do Curdistão (UPK). Depois seguiu para Espanha, Itália e, em 2009, no governo do atual presidente, o curdo Jalal Talabani, foi nomeado ministro de Assuntos Exteriores em Bagdá, de onde seguiu para o Brasil. “Aqui é o paraíso”, diz.

Na visita à presidenta Dilma, além do presente e de sua história, Baker diz que vai levar números de grande interesse para o governo brasileiro, que em março inaugurou uma embaixada em Bagdá, depois de 21 anos sem representação diplomática. Um relatório da Arab Investment and Export Credit Guarantee Corporation mostra que o Iraque deverá crescer 12% este ano, o melhor desempenho do mundo árabe. 

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