O que o Brasil assistiu na semana passada, com a maior capital do País tomada pelo banditismo, não encontra paralelo histórico e crava uma fissura profunda na ordem, na legalidade e no estado de direito de cidadãos. Afrontados, desafiados, intimidados e, por fim, aterrorizados com a brutalidade da facção criminosa PCC, 20 milhões de habitantes tiveram a clara percepção de que estava realmente “tudo dominado” – para usar uma expressão tão em voga no meio. Dominado pela força do crime que impunha sua lei de baderna, terror e caos. E que, depois, estabelecia exigências diante de autoridades claramente rendidas pela situação (foram até providenciados 60 televisores para acalmar a turba nos presídios). Indignação resumia o sentimento comum a toda a Nação. Para o governador paulista, Cláudio Lembo, estava “tudo sob controle”. A declaração era dada placidamente ao mesmo tempo que a cidade registrava mais de 290 atentados, quase 160 mortos, 80 rebeliões, dezenas de ônibus queimados e seus moradores se auto-impunham um toque de recolher informal que deixou desertas ruas e avenidas da efervescente São Paulo, ainda no início da noite da segunda-feira 15. Perdidos com o ineditismo dos acontecimentos, políticos entravam numa banal e absurda disputa eleitoreira para encontrar culpados, sem se preocupar com o fundamental: uma resposta firme e eficiente, à altura da gravidade do problema. O que se viu, o que se registrou em São Paulo já era previsto havia tempos por especialistas que alertavam para o perigo de o Estado perder o controle sobre os bandidos. Está perdendo. O crime hoje se organiza de maneira profissional, com táticas de guerrilha, sofisticada logística e um ágil poder de comunicação, capaz de acionar operações simultâneas com uma eficiência e um poder de estrago surpreendentes. O caldeirão transbordou e São Paulo virou por esses dias uma Bagdá em versão piorada – para espanto do mundo inteiro. O que está faltando? Não há hoje um simples político iniciante que não recite de cor soluções: investimento em segurança, em educação e redistribuição de renda, para ficar nas mais óbvias. Falta, no entanto, muito mais. Falta poder de decisão, vontade política de mudar. E isso não se negocia, se impõe.