Na Marquês de Sapucaí, venceu a paz. Campeã deste ano com o enredo O povo conta sua história: saco vazio não pára em pé – a mão que faz a guerra faz a paz, a Beija-Flor desistiu de levar para a pista o duelo armado entre Cristo e o Diabo. Invadiu o Sambódromo com uma procissão nordestina que refletia a um só tempo miséria e esperança. Maltrapilhos e carregando velas, membros do Grupo Teatral Centro Cultural de Nilópolis encarnaram o Brasil que quer vencer a luta pela paz. O Carnaval social da Beija-Flor quebrou um jejum de 20 anos – a última vitória absoluta da escola foi em 1983 e em 1998 ela dividiu o título com a Mangueira –, passou por guerras, peste, fome e desaguou na esperança. Os versos do samba-enredo Eu quero: liberdade, dignidade e união foram cantados em pé pelo público. A Beija-Flor também desfilou a fé no novo governo, despedindo-se com um boneco gigante do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “A esperança venceu o medo”, comemorou o intérprete Neguinho da Beija-Flor, repetindo uma frase de Lula. Foi uma decisão salomônica do júri, premiando o enredo que está na cabeça dos brasileiros: a paz.

A Mangueira, vice-campeã com Os Dez Mandamentos – o samba da paz canta a saga da liberdade, reforçou a pregação. Um Moisés encarnado pelo dançarino Carlinhos de Jesus “levitou” por conta de um pequeno elevador escondido sob a capa e exibiu na tábua dos Dez Mandamentos a palavra paz. Efeitos especiais marcaram o desfile. As escolas abusaram de alegorias em movimento, show de luzes e fumaça. A magia de Moisés concorreu com a coreografia em outro momento de êxtase: o mar Vermelho, representado por dezenas de passistas, se abriu para Moisés. O público foi ao delírio. Atrás da Beija-Flor e da Mangueira vieram a Grande Rio (terceira colocada), Imperatriz Leopoldinense (quarta), Mocidade Independente de Padre Miguel (quinta) e São Clemente, que subiu para o primeiro time.

Os gritos de “é campeã” começaram na segunda escola do domingo, o Salgueiro, que esbanjou empolgação no primeiro dia. Com o vermelho predominando para contar sua própria história, a escola perdeu pontuação por um buraco na pista e um atraso de quatro minutos, acabando em oitavo lugar. Zezé Motta e Jorge Fernando atraíram aplausos como Chica da Silva e seu amante João Fernandes. A Grande Rio empolgou mais pela constelação de artistas globais. O destaque foi da criativa comissão de frente de Joãosinho Trinta: homens musculosos cobertos por tinta e tapa-sexos.

A segunda-feira primou pela animação, reunindo campeã e vice. Mais uma vez Mangueira e Beija-Flor duelaram palmo a palmo pelo primeiro lugar. Apesar do samba fraco, a Mocidade também encantou o público com seu enredo sobre doação de órgãos. O toque de simpatia foi Marcos Palmeira interpretando o carnavalesco Fernando Pinto, morto em 1987. A comissão de frente tinha bailarinos girando dentro de arcos. A Imperatriz encerrou a festa exibindo um Peter Pan voando, preso a um cabo de aço, e duas piratas especiais que roubaram a cena: Luiza Brunet e Daniela Sarahyba. “Deu para ver no rosto das pessoas como vibram com o desfile”, saboreou Daniela em sua estréia.

Não faltou a polêmica que costuma se seguir ao anúncio do resultado do desfile. A Beija-Flor ganhou por um ponto e cada décimo foi motivo de discórdia. Imagine cinco. Foi o que o dublê de jurado e ator Mário Cardoso tirou da comissão de frente da Mangueira, com Moisés e tudo. Deu 9,5 para a comissão de frente da Mangueira e 10 para a Beija-Flor. “A levitação foi ótima, criativa, mas faltou no conjunto”, justificou Cardoso. Para Cid Carvalho, carnavalesco da Beija-Flor, a vitória se deveu a uma série de fatores, entre eles o aumento dos componentes da comunidade no desfile, de 600 para 2.200 nos últimos quatro anos. “Tivemos também a felicidade de mostrar nossas mazelas com a esperança de que daremos a volta por cima.”

Na Mangueira, protestos e a decisão de pedir o descredenciamento
de Mário Cardoso do júri. “A única explicação é que ele estava
dormindo na hora do desfile”, aponta o presidente da escola, Álvaro
Luiz Caetano. “Esse Mário Cardoso é um irresponsável. O Carlinhos
de Jesus me disse que quando subiu (no carro de Moisés), ficou
de frente para os jurados e ele era o único que não olhava”, emenda
o vice-presidente Chiquinho da Mangueira.

Carnaval

Blocos – A onda de terrorismo do tráfico na semana anterior não estragou a festa no Rio, que atraiu 40% a mais de turistas do que
nos anos anteriores. Os blocos de rua cresceram e se multiplicaram,
como os tradicionais Suvaco do Cristo, Simpatia é Quase Amor e Banda de Ipanema e o caçula Monobloco, que arrastou 30 mil pessoas. O folião de rua também encheu os 64 bailes populares da prefeitura nas praças
da cidade. Nos Arcos da Lapa, centro, uma programação eclética resgatou confete e serpentina e misturou bambas como Monarco
e Nelson Sargento a grupos modernos como o Nocaute e Maurício
Negão com seu rock ziriguidum.

O que não mudou mesmo foi a farra dos bicheiros na avenida. Patronos das principais escolas e virtuais donos do desfile, que controlam por meio da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), desfilaram com desenvoltura à frente das agremiações e posaram ao lado de políticos, como o prefeito César Maia. Estavam lá o presidente da Liesa, o Capitão Guimarães, Luizinho Drummond e Anísio Abrahão David, todos ex-colegas de cadeia, para onde foram mandados há dez anos, juntos com outros 11 bicheiros, pela juíza Denise Frossard. Mas esse é outro enredo.

Um luxo só
    

O Carnaval de São Paulo dá provas de que melhora a cada edição. Este ano, mais de 50 mil foliões se reuniram nos dois dias de desfiles do grupo especial. Muito luxo, brilho e alegorias incrementadas animaram as arquibancadas e os convidados especiais do camarote da prefeitura, comandado por Marta Suplicy. As escolas se apresentaram praticamente sem atrasos e foram prestigiadas por celebridades como o ator Caio Blat
e sua mulher Ana Ariel, a atriz Thaís Araújo, o ex-jogador Raí, o escritor Ignácio de Loyola Brandão, a apresentadora Eliana, a modelo Mariana Weickert e até pelo roqueiro Supla. A grande vencedora foi a Gaviões da Fiel, que repetiu a apresentação exemplar do ano passado e ficou em primeiro lugar só com notas 10, conquistando o bicampeonato. “Já havia falado que a Gaviões veio para ganhar o título. Enquanto outras escolas ficam vivendo de tradição, a gente procura trabalhar mais para ser reconhecido”, afirmava o diretor de carnaval Sandro Silva Pinto após a vitória. As cinco regiões brasileiras, com suas festas típicas, foi o tema escolhido pela escola, que levou 4.600 pessoas para a avenida. Os maiores destaques da Gaviões foram o presidente nacional do PT, deputado José Genoíno, e a dançarina Suzana Alves, a Tiazinha, que causou furor ao desfilar com um minibiquíni no carro abre-alas.

Outra escola que emocionou o público foi a Nenê da Vila Matilde, campeã de 2001. Mesmo só tendo alcançado o quarto lugar neste ano, ela empolgou as arquibancadas com o enredo que homenageou
o cartunista Ziraldo, que esteve presente como destaque de um
dos carros. O desfile foi bastante animado e mostrou, entre outras fases do autor, o personagem Menino Maluquinho e o jornal O Pasquim. Para o ano que vem, as escolas de São Paulo prometem
mais novidades. O Carnaval será temático: o aniversário de 450 anos da capital paulista. A medida foi inspirada no Carnaval carioca de 2000, quando todas as escolas prestaram homenagem aos 500 anos de descobrimento do Brasil.
Laura Ancona Lopez