A taxa de câmbio voltou ao centro do debate econômico no Brasil. O dólar caiu para menos de R$ 2,20 este ano – na quinta-feira 18, fechou a R$ 2,18 – e representantes de montadoras de automóveis, agricultores e fabricantes de calçados voltaram a Brasília nas últimas duas semanas para reclamar dos efeitos negativos da valorização do real em suas atividades. Nos últimos três anos, o real fortaleceu-se 37% diante do dólar, o que reduziu as receitas em reais de produtos vendidos no Exterior. Na semana passada, a General Motors seguiu a trilha da Volkswagen e anunciou a demissão de 960 funcionários da fábrica de São José dos Campos para compensar a perda de competitividade em suas exportações. Essas companhias têm motivos fortes para se queixar da política cambial do governo Lula, mas nunca é tarde para lembrar que a questão não pode ser vista apenas do ponto de vista de quem exporta. O outro lado da moeda é que muitos setores da economia têm sido beneficiados pelo real forte – inclusive, paradoxalmente, os próprios exportadores.

Por um lado, o dólar mais barato significa que as empresas exportadoras têm recebido menos reais do que gostariam por suas vendas no mercado internacional. No ano passado, as exportações brasileiras somaram US$ 118,3 bilhões e, até a primeira quinzena de maio deste ano, a cifra acumulada é de US$ 43,6 bilhões. Por outro lado, o real fortalecido é uma boa notícia para as companhias importadoras. Elas precisam de menos reais para saldar suas encomendas em moeda forte. Foram US$ 73,6 bilhões em 2005 e US$ 29,2 bilhões este ano. Acontece que muitas das maiores exportadoras do País são também as maiores importadoras. Elas compram, no Exterior, insumos, componentes e maquinário para fazer produtos que serão vendidos no mercado local ou exportados. Ou seja, na briga cambial, elas perdem de um lado e ganham de outro.

No ano passado, nove das dez maiores exportadoras do País – Petrobras, Vale do Rio Doce, Embraer, Bunge Alimentos, Volkswagen, General Motors, Ford, Cargill Agrícola e Gerdau Açominas – também figuraram na lista das maiores importadoras. Juntas, elas exportaram US$ 25,7 bilhões e importaram US$ 12,7 bilhões. No grupo das 50 maiores exportadoras, também atuam pesado nas duas pontas do comércio exterior companhias como DaimlerChrysler, CST, Motorola, Nokia, Caterpillar, Braskem, CSN, Volvo, Scania, Robert Bosch, Cosipa, Fiat, Usiminas e Caraíba Metais. No fundo, as importações ajudam as companhias a melhorar a qualidade de seus produtos e as torna mais competitivas para vender lá fora – o que explica, em parte, o forte crescimento das exportações brasileiras nos últimos anos, diz o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Armando Meziat. “Uma das razões para o vigor das exportações é a importação de insumos e equipamentos”, diz. Matérias-primas e bens de capital ainda representam 70% das compras externas e os bens de consumo, 12,2%.

Outro efeito importante é o impacto do dólar barato nos índices de inflação. Se a cotação do dólar voltar a subir, as empresas terão de repassar aumentos de custos para os preços dos produtos no mercado interno, o que poderia interromper a queda dos juros. Se não conseguirem, tenderão a reduzir as importações, o que também seria ruim. “A importação gera competição interna e disputa de preço”, lembra Meziat, sem fazer juízo de valor sobre a taxa de câmbio ideal. Se o real voltar a se desvalorizar, os consumidores sairão perdendo. “O dólar barato é bom para o consumidor, pois afeta o poder de compra do salário”, diz o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central.

O fato é que, em setores importantes de consumo, como o de eletroeletrônicos, o fortalecimento do real jogou muitos preços para baixo. Os preços de aparelhos como as tevês com telas de plasma e cristal líquido – as vedetes da Copa do Mundo de Futebol – caíram mais da metade desde o começo do ano passado. Modelos de plasma da Philips com 42 polegadas, que antes custavam R$ 20 mil, saem hoje por R$ 8 mil. “O dólar mais barato e os avanços tecnológicos permitiram a queda dos preços”, diz José Fuentes, vice-presidente de Consumo da Phillips. Segundo ele, o câmbio contribuiu com 10% a 15% de redução dos custos dos aparelhos, que levam telas importadas da Ásia e são montados no Brasil com alto índice de nacionalização. A empresa espera vender um milhão de tevês este ano até a Copa, das quais 150 mil de alta definição.

A Kodak, que importou US$ 97 milhões em 2005, é outra que está surfando na onda do dólar mais barato. As vendas de câmaras digitais – 100% importadas – cresceram 40% este ano em relação aos primeiros meses de 2005. “A taxa de câmbio está muito favorável”, diz Fernando Bautista, presidente da Kodak. Mais do que a redução de custos dos importados, o real valorizado é um sinal importante para atrair investimentos, afirma o executivo. “O câmbio forte reflete uma economia de estrutura mais sólida”, diz. Por essas e outras, o governo não deve mexer no regime de câmbio flutuante.