O ser humano ganhou mais 20 anos de expectativa de vida nas últimas décadas. O que fazer com eles? Aproveitá-los da melhor forma possível. O recuo dos preconceitos, o avanço da medicina e a reforma da Previdência afastam cada vez mais a imagem da cadeira de balanço, do arrastar dos chinelos e estimulam realizações de projetos sempre adiados. Nesse contexto, aumenta a popularidade de um conceito que nos velhos tempos soaria estranho: aposentadoria empreendedora, ativa, repleta de vitalidade e associada à prática de um esporte.

A idéia vem seduzindo sessentões, setentões, octogenários e até nonagenários. O raciocínio é simples: em vez de esperar o dia D com um olho no calendário, o negócio é se convencer de que a vida começa aos 60 e planejar o pulo-do-gato. É verdade que a aposentadoria no Brasil não é céu de brigadeiro. As carências são muitas e as falhas do sistema de saúde, insanáveis. Por outro lado, que outra fase pode ser mais propícia para um homem ou uma mulher saudável dedicar-se a fazer o que gosta? Os filhos já cresceram, o Fundo de Garantia pode ter reservas consideráveis, o stress ficou no passado e as economias pessoais garantem o mínimo de segurança. A busca da felicidade foi o que inspirou a ruptura do empresário Afonso Freitas, há 20 anos. Da fabricação de móveis ele se mudou para o surfe, atividade que começou a praticar aos 38. Hoje, aos 74 anos, tem uma loja de pranchas e só sai do trabalho para surfar. Com cinco filhos e “dez ou 12 netos”, é pai do tricampeão mundial de surf board Marcelo Freitas, 28 anos. “O surfe melhorou minha saúde, meu humor, e virou um alimento. Se eu passo quatro dias sem pegar uma onda, fico ansioso.” O mesmo sente seu companheiro de ondas na Praia da Macumba, Juberto Pinheiro da Silva, que começou a surfar em 1961. Está com 58 anos e, por causa do surfe, não compra nem remédios para resfriado. Viagra, nem pensar. “Não fico doente nem estressado”, diz ele, que chega à praia carregando sua prancha na bicicleta às 8h e só sai do mar às 13h.

“Sonhos não envelhecem e sempre é
tempo de iniciar um novo script”, ensina
o administrador de empresas Cesar Souza, autor de O momento da virada – estratégias que definem o sucesso de pessoas e
empresas
(Ed. Gente). Nas palestras sobre aposentadoria empreendedora ele atrai espectadores como Rita Drummond, bibliotecária aposentada de 90 anos que se entediou de fazer doces e virou estagiária de um banco. Uma estagiária nonagenária. Nas idas à agência, viu que poderia orientar pessoas nas máquinas eletrônicas. Dona Rita convenceu o gerente a contratá-la. O estágio já acabou e ela tem outro plano para o futuro: trabalhar em uma casa para idosos.

Imagine passar dos 90 anos dentro de uma piscina em disputa de títulos de natação. É o que faz Maria Lenk, do Flamengo, criadora do estilo “borboleta”, que no ano passado bateu o recorde mundial dos 800 metros no Campeonato Brasileiro Master. Suas nove décadas não a condenaram à velhice. Até novembro, estará nos Estados Unidos treinando para o Campeonato de Natação Mundial de Masters.

Quem tem coragem de enfrentar o frio das manhãs de São Paulo para ir ao
Parque do Ibirapuera pode encontrar a atleta Mitiko Nakatani, 73 anos. Ela começa todos os dias às 6 horas. Em 2004 venceu a Maratona Internacional de Paris na categoria 70-80 anos. Trouxe duas vitórias: ganhou a prova e conheceu a cidade
com que sonhava. E ela só começou a correr aos 57 anos. “Um dia fui até um posto de saúde e a médica de plantão me falou que não precisava do meu saco de remédios. Me convenceu a fazer exames e descobri que eu estava com intoxicação por remédios. A mesma médica me incentivou a andar.” O incentivo final para Mitiko veio de forma inesperada. “Na missa de sétimo dia do meu pai, um amigo que estudou com ele me disse que meu pai havia vencido uma maratona no tempo da faculdade, no Japão.”

Embora a Política Nacional de Idosos, de 1994, e o Estatuto do Idoso, de 2003, estabeleçam que o idoso é quem tem mais de 60, não faltam ídolos para contestar a classificação: Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil. “Empurramos a velhice para adiante”, diz a demógrafa Ana Maria Camarano, autora de Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60?, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O ponto de interrogação no título aponta para o enigma do futuro dos idosos. Em 1980, de cada 100 meninas, 22 chegavam aos 88 anos. Em 2000 era o dobro. Em 2002, 82,2% dos homens na faixa de 40 a 69 anos trabalhavam e 50,3% contribuíam. Entre as mulheres a proporção era menor: 43,1% trabalhavam e 25,2% contribuíam.

O desafio de descobrir o que fazer com a terceira idade no novo século inquieta empresas, que não sabem como explorar o potencial de consumo de um
segmento influente e cada vez mais numeroso. O Brasil tem 14,5 milhões de pessoas com mais de 60 anos, número que dobrará nos próximos 20 anos,
quando passaremos do 16o para o 6o país com maior número de idosos. A renda dessa faixa engordou 63% entre 1991 e 2000, enquanto a da população em geral cresceu 43%. Vinte por cento dos lares são chefiados pelos idosos e três milhões deles recebem entre dez e 33 salários mínimos mensais. E a ONU prevê que
daqui a dois anos o mundo terá mais sexagenários do que crianças. Está mesmo
na hora de toda essa gente viver melhor.