Depois de deixar o governo de São Paulo em 1994, o ex-governador e deputado Luiz Antônio Fleury Filho (PTB-SP) vem investindo no resgate da sua imagem pública com a ocupação de postos estratégicos no Congresso Nacional. Além de presidir a CPI do Banespa, Fleury ampliou seu currículo ao assumir o cargo de corregedor da Câmara dos Deputados, atribuição que lhe deu o poder de fiscalizar os passos de seus colegas parlamentares. Na semana passada, uma investigação da Polícia Federal e do Ministério Público com o apoio do FBI sobre o esquema de lavagem de dinheiro na extinta agência do Banestado em Nova York desferiu um duro golpe na nova imagem que o ex-governador vem tentando construir. No meio da papelada recolhida na agência do banco paranaense, fechada em 1999, aparecem documentos que, somados a outras provas obtidas pela PF em Foz do Iguaçu e em São Paulo, apontam que Fleury e empresários ligados ao ex-governador enviaram, por intermédio do Banestado, pelo menos US$ 15 milhões para a Suíça e para os Estados Unidos no período de 1996 a 1999. Os documentos mostram que depois de passar pela agência de Nova York, os recursos eram enviados para duas contas atribuídas ao ex-governador: uma delas, apelidada de “Luli”, sob o número 60097 no Delta Bank de Miami, e outra sem nome da empresa Almatos Financial S. A., na agência de Nova York do banco suíço UBS, registrada sob o número 280933. No meio da papelada há ainda um precioso recibo indicando que a Almatos financiava despesas do ex-governador de São Paulo.

Um acordo de cooperação alinhavado na semana passada em Nova
York pela secretária Nacional de Justiça, Cláudia Mattos, entre o governo brasileiro, o FBI e o Ministério Público dos EUA deve causar mais dor de cabeça ao corregedor da Câmara. Ficou acertado que, além de quebrar o sigilo das contas de políticos e traficantes que se serviam da lavanderia do Banestado, as autoridades americanas vão abrir inquéritos específicos contra brasileiros suspeitos de envolvimento em atividades ilegais. Nesta semana, uma força-tarefa da Polícia Federal e do Ministério Público brasileiro entregará aos procuradores americanos um dossiê com todas as informações sobre negócios e remessas ilegais de recursos
ao Exterior atribuídas a Fleury e a empresários apontados como seus sócios. Os documentos abrem caminho para que ele seja investigado
não apenas no Brasil, mas também nos EUA. Procurado por ISTOÉ,
Fleury afirmou, por intermédio de sua assessoria, que “não tem como opinar antes de conhecer o conteúdo da matéria na íntegra” mas que “reafirma desconhecer a empresa Almatos, com a qual não mantém nenhum tipo de contato e repudia as acusações.” O ex-governador também diz que vai acionar seus advogados para “cobrar dos detratores a comprovação das acusações.”

O dossiê confirma o depoimento que o corretor Hilário Sestini Júnior prestou no final do ano passado à PF em Foz do Iguaçu. Ex-diretor da Atlas, uma distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários instalada em São José do Rio Preto (SP) e São Paulo, Sestini forneceu aos policiais um relato recheado de detalhes. O corretor afirma que Fleury batizava com o codinome “Luli” as contas e negócios que tinha em parceria com seu irmão Frederico Pinto Coelho Neto, conhecido como Lilico, na Atlas. A palavra Luli seria resultado da aglutinação de Luiz (de Fleury) com Li (de Lilico). Ainda de acordo com Sestini, o ex-governador era sócio oculto do empresário José Paschoal Constantini na distribuidora de títulos. Ele diz que a Atlas é, na verdade, a dona da conta da Almatos no UBS de Nova York. O corretor chegou a informar o número da conta, que confere perfeitamente com a papelada localizada no Banestado.

Conforme o relato de Sestini, o duto do dinheiro era alimentado por um grupo de laranjas e empresas de fachada abertas em nome de funcionários da Atlas. Entre elas estão empresas como a Casa Ouro Velho, a Moinho de Ouro, a Trigold e a Silver Star, especializadas em negócios com ouro, um dos preferidos do ex-governador e de seu sócio Constantini. Esta rede transferia recursos para contas CC-5 (de estrangeiros residentes no País) em nome de paraguaios manipuladas por doleiros. Das CC-5, o dinheiro migrava para casas de câmbio e para os bancos Araucária, em Foz do Iguaçu, e seu braço estrangeiro, o Integración, no Paraguai. Estas instituições se encarregavam de enviar o dinheiro para contas de empresas offshore abertas por doleiros no Banestado de Nova York. Depois de passear
por várias contas dentro do Banestado, o dinheiro finalmente
seguia para as contas Luli e Almatos.

A PF e os procuradores já reuniram documentos que comprovam passo a passo o esquema descrito por Sestini. Foram identificadas, por exemplo, centenas de remessas feitas pela Atlas para contas de laranjas paraguaios. Mais de 200 laudos que investigaram transferências feitas em Foz do Iguaçu, somados a novos documentos reunidos na semana passada em Nova York, acrescentaram um detalhado roteiro do dinheiro até as contas Almatos e Luli, permitindo às autoridades brasileiras chegar à astronômica soma de US$ 15 milhões. No caso do dinheiro que pousava na Almatos, a PF descobriu que, em algumas operações, as remessas saíam de contas utilizadas pela Atlas em casas de câmbio, no Araucária e no Integración, para contas administradas por doleiros no Banestado. Nos dias 14 e 18 de fevereiro de 1997, por exemplo, a casa de câmbio Acaray intermediou dois depósitos da Atlas, num total de US$ 350 mil em favor da Almatos. Para a conta Luli existem, por exemplo, duas remessas feitas por uma empresa brasileira, por intermédio da offshore BCF International, com sede no Panamá, operada pelo doleiro paraense Messod Benzecry. A partir da papelada do Banestado a PF também localizou documentos que confirmam os relatos de Sestini, revelando que o dinheiro da venda de ouro retornava às contas da Atlas no Brasil. A polícia também descobriu que parte da quantia da Atlas transitava por uma terceira conta no UBS, em Zurique, de número 380763, que estaria ligada ao mesmo esquema.

Todo esse avanço das investigações foi possível com o deslocamento de uma equipe da PF formada pelo delegado José Castilho Neto e pelos peritos Renato Barbosa e Eurico Montenegro a Nova York. No ano passado, o grupo chegou a ser afastado das investigações e o caso, engavetado. Agora, com as apurações retomadas, a PF terá acesso a outros documentos. Nos próximos dias, o FBI deve repassar às autoridades brasileiras novas transferências envolvendo a conta Tucano, operada por João Bosco Madeiro, braço direito de Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor do Banco do Brasil e ex-tesoureiro do PSDB. Os peritos já descobriram que, além da Tucano, Bosco operava outras duas contas alimentadas pelo esquema. Delas saíram recursos para várias empresas em paraísos fiscais, como a Brasilservice, sediada nas Ilhas Virgens. Os americanos também vão seguir suas próprias pistas identificadas a partir da papelada do Banestado.

A Polícia Federal está divulgando um e-mail (rastrozero@yahoo.com.br) para receber denúncias sobre lavagem de dinheiro. Os policiais que estão em Nova York investigando a remessa de US$ 30 bilhões
esperam conseguir “novas provas, evidências e indícios” com as informações recebidas.