NERVOSISMO Operadores da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) na segunda-feira 17, quando a Bovespa caiu 3,2%

A economia dos Estados Unidos está doente. Dois fortes sinais de que a crise está mais para pneumonia do que para gripe assustaram os mercados financeiros na semana passada. O primeiro foi o colapso da octagenária casa de investimentos Bear Stearns. O banco era um dos mais ativos no mercado de crédito imobiliário de alto risco e não resistiu à falta de confiança de seus clientes sobre sua saúde financeira. Entre os dias 13 e 14, os investidores sacaram US$ 17 bilhões. O Bear Stearns, que chegou a valer US$ 20 bilhões nas bolsas, virou pó. Acabou sendo vendido ao JP Morgan na bacia das almas por US$ 236,2 milhões, com apoio do banco central, o Federal Reserve (Fed). Pois veio do próprio Fed o segundo sinal de alerta sobre a gravidade da situação. Além de colocar US$ 200 bilhões à disposição dos bancos com problemas, ele reduziu mais ainda os juros básicos da economia.

Em reunião na terça-feira 18, os dirigentes do banco central americano cortaram 0,75 ponto percentual da taxa básica, baixando-a para 2,25% ao ano. A idéia é injetar mais oxigênio no mercado financeiro, reduzindo a desconfiança das instituições financeiras e dos investidores. O problema é que, como ninguém sabe a magnitude exata dessa crise, os mercados continuaram nervosos. Na quarta-feira 19, o Índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, fechou em queda de 2,36%. O Ibovespa despencou 5,01%. Ficou a dúvida: Até que ponto a maior economia do planeta irá sofrer com o estouro da bolha imobiliária, o pivô de todo esse terremoto financeiro?

Tudo vai depender de como os agentes econômicos vão reagir nos próximos meses diante dos futuros balanços dos bancos e das políticas anticrise do Fed. E, claro, da recuperação dos preços dos imóveis, cuja desvalorização nos últimos meses acendeu a luz vermelha nas instituições financeiras e culminou com o fim melancólico do Bear Stearns. Se gigantes como o Bank of America e o Citibank mostrarem resultados animadores, a história poderá ser outra. Ao evitar a falência do Bear Stearns e oferecer ajuda aos outros bancos de investimentos, que legalmente não fazem parte de seus “clientes” habituais, o Fed está dizendo ao mercado que irá manter o sistema bancário funcionando. Custe o que custar. No dia 11, seu presidente, Ben Bernanke, garantiu US$ 200 bilhões para os bancos que carregam títulos de alto risco (subprime). Com essas ações, há quem enxergue a nuvem da desconfiança se dissipar. “Já é possível ficar otimista com os Estados Unidos. O mercado está reagindo”, diz Fábio Kanczuk, professor de economia da Universidade de São Paulo. Porém, reação não é sinônimo de crescimento. “O cenário de uma recessão mais longa aumenta a cada dia”, afirma Alexandre Póvoa, economista-chefe do Modal Asset.

Como faz parte da economia global, o Brasil sofrerá alguma conseqüência da recessão nos Estados Unidos. “É uma ilusão acreditar no total descolamento, apesar de estarmos mais protegidos”, afirma Póvoa. A diminuição do consumo americano tende a reduzir suas importações. Dos US$ 161 bilhões exportados pelo Brasil no ano passado, 16% foram para os EUA. O segundo maior comprador nesse ranking foi a Argentina, com 9%. “Se os Estados Unidos deixarem de comprar de outros países, estes também podem diminuir suas compras do Brasil”, diz o economista Pedro Vartanian, da Trevisan Consultoria. Os analistas se voltam agora para a China, um dos motores do crescimento mundial. O país ainda deve crescer muito neste ano – projeção de 8% – e recebe 6,6% das exportações brasileiras.

A seu favor nesse ambiente de crise, o Brasil tem contas externas em ordem e um crescimento fortemente baseado no consumo interno. O problema é que o Banco Central, preocupado com o controle da inflação, não vê espaço para estimular a economia por meio de cortes de juros, como tem feito o Fed. O dedo do presidente do BC, Henrique Meirelles, está no gatilho para aumentar a atual taxa Selic, de 11,75% ao ano. Há fatores que fazem os economistas acreditar que essa atitude não será tomada. O mais importante é o consumo interno, que pode estar no final do seu ciclo de expansão. O preço dos alimentos, outro grande responsável pela inflação de 4,5% do ano passado, deve seguir rumo contrário. É comum os agricultores aumentarem a safra no ano seguinte a uma grande alta de preços.

Felizmente, a confiança dos investidores estrangeiros no País é a maior das últimas décadas. “O País tem fortalezas para enfrentar essa crise”, afirmou o presidente do grupo Santander, Emílio Botín, em recente visita ao Brasil. As reservas internacionais chegaram a US$ 196 bilhões na terça-feira 18. É um dos fatores que fizeram o ministro da Fazenda, Guido Mantega, propagar a idéia de que estamos em porto seguro. “Aqui é o lugar onde as coisas vão bem. As empresas e os bancos estão sólidos e não se envolveram nesta crise”, afirma.