O Halloween cai no dia 31 de outubro, mas neste ano o verdadeiro Dia das Bruxas foi adiado para 15 de novembro. A razão é a chegada nesta data aos cinemas americanos do filme Harry Potter e a câmara secreta (Harry Potter and the chamber of secrets, Inglaterra/Estados Unidos, 2002), que no Brasil estréia nacionalmente na sexta-feira 22. O jovem bruxo, herói das páginas da autora escocesa J. K. Rowling e mais apreciado que doces gratuitos ao paladar infantil, volta às telas em sua segunda saga, depois do estrondoso sucesso de Harry Potter e a pedra filosofal, que amealhou US$ 900 milhões ao redor do mundo. É bom que se diga logo: este episódio é ainda melhor do que o primeiro. Mas os  pequenos corações mais sensíveis que se cuidem. A história é muito mais aterradora, com aranhas gigantes, cobras e outros bichos saindo pelo ladrão.

Na porta do teatro Ziegfeld em Nova York, onde aconteceu a pré-estréia americana para uns poucos privilegiados, o diretor Chris Columbus avisou a ISTOÉ: “Para quem tem crianças menores de sete anos, recomendo que se tenha uma conversa prévia sobre o que se verá na tela.” Ele é um experiente contador de histórias e sabe que aquilo que não é visto é mais amedrontador. Sua estratégia é manter a máxima tanto na tela quanto nos trabalhos de propaganda da fita. O público também sai ganhando. Esta “estratégia do medo” transformou A câmara secreta num filme mais dinâmico, com maior densidade e melhor acabamento. A presença apenas pressentida da serpente gigante, que espreita nos esgotos da escola de magia Hogwarts, atiça a ansiedade e acaba por dar magnitude épica à batalha final entre o ofídio hiperdesenvolvido e o pequeno Potter. E que ninguém reclame que aqui se está estragando qualquer surpresa, antecipando finais, desmanchando prazeres. Quem sabe ler e tem como colocar as mãos nos livros de J. K. Rowling já conhece a história. Para a minoria que perfaz a exceção, também não há prejuízos, pois os atrativos vão muito além do embate viperino.

A trinca de aprendizes de feiticeiros – Harry Potter (Daniel Radcliffe), Ron Weasley (Rupert Grint) e Hermione Granger (Emma Watson) –
volta à Escola Hogwarts para seu segundo ano acadêmico. Este retorno, pelo menos para os dois meninos, é no mínimo acidentado. O veículo que os conduz é um automóvel voador, que acaba colidindo espetacularmente com uma árvore mal-humorada, capaz de cobrir de porradas quem dela se aproxima. Daí para a frente a estrada percorrida pelos heróis fica ainda mais acidentada. São duelos com varas de condão; um novo titular da cadeira de defesa contra as artes das trevas, cuja incompetência só é superada por um ego superlativo; plantas que choram como bebês com cólicas; e perseguições envolvendo aranhas gigantes, capazes de transformar até mesmo os espectadores adultos em repentinos aracnofóbicos.

Nem só de horrores, no entanto, é feita esta câmara. Gilderoy Lockhart, o novo professor de defesa contra as artes das trevas é materializado pelo impecável timbre humorístico do inglês Kenneth Branagh. Trata-se de um ator de formação shakesperiana, eficaz tanto no drama quanto na comédia. Branagh procurou o equilíbrio de ações, nas quais dá mostras de sobra de seu brilho, sem ofuscar os jovens coadjuvantes. “O que me impressionou mais nestas crianças foi a imersão de que são capazes quando interpretam”, contou o ator a ISTOÉ. “Eles realmente vivem a cena. Ficam surpresos quando alguém grita: corta!” A sensibilidade de Branagh neste trabalho o jogou como candidato a ocupar a cadeira de diretor do terceiro filme. Mas, no final, o escolhido para operar daqui para frente esta máquina de fazer dinheiro foi Alfonso Cuarón, diretor de E sua mãe também.

Como se sabe, todos os professores de defesa contra as artes das trevas da Escola Hogwarts costumam vagar o cargo ao final de cada livro. Assim, Branagh deverá aposentar sua varinha mágica. Outro que, infelizmente, não será mais visto é o ator Richard Harris, morto aos 72 anos, em 25 de outubro passado, vítima da moléstia de Hodgkin’s. Este foi o último filme do veterano Harris, um dos maiores nomes ingleses das telas. Ainda não foi escolhido um substituto à altura para ocupar seu lugar na pele do diretor da escola, o professor Dumbledore. Mas o elenco já ganhou outros reforços, como a atriz Mirian Margolyes, incorporando a professora Sprout. E, mais surpreendente, entra em cena a figurinha de Dobby, o elfo doméstico. Gerado em útero de computador, a criatura é, disparado, a personagem mais intrigante da coleção de esquisitos povoando a fábula. Ele é um escravo que sofre de auto-estima, envereda pelo masoquismo agudo e é salvo pelos esforços do trio de heróis.

Dentro do roupão de aspirantes a mágicos, os atores Radcliffe (13), Emma (12) e Grint (13) cresceram bastante desde sua primeira aparição nas telas. Fisicamente, estão mais maduros, o que, no caso de Radcliffe, lhe conferiu ares mais resolutos. O perigo que o astro de Harry Potter corre é de se transformar num adulto antes de a série terminar lá pelo ano 2005. Nos livros, Potter envelhece um ano por episódio, mas na vida real esta evolução dá saltos maiores. Para Emma, por enquanto, a passagem do tempo foi altamente favorável. A jovem atriz não ganhou ares de ninfeta sedutora e ainda conseguiu melhorar muito sua performance como Hermione. Finalmente trouxe ao papel o misto de empáfia e inocência, características de sua personagem literária. Quanto a Grint, bem, este continua o mesmo, correndo o risco de em pouco tempo virar o retrato do veterano Mickey Rooney.

Mas estas são preocupações para o futuro, quando até mesmo a platéia está arriscada a se transformar em seus pais. Na atualidade, os esforços da trupe de bruxos faz de Harry Potter e a câmara secreta uma barbada para o sucesso. Como bruxo principal, Chris Columbus enfeitiça o público com ousadias que não estavam presentes na primeira investida. Sua direção fez deste um filme mais nervoso, ágil e versátil. Cortes rápidos, uso adestrado e mais frequente de grandes ângulos, movimentos ousados de câmera demonstram amadurecimento também na cinematografia.

Exemplar destas qualidades é a sequência do jogo de quadribol, a peleja que reúne basquete, beisebol e hockey, envolvendo três bolas voadoras e jogadores aerotransportados por vassouras. No campeonato promovido neste ano escolar, a partida decisiva ganhou características de corrida de motocicletas no espaço, com ações arriscadas e manobras que lembram os deslocamentos numa montanha-russa. Melhor que videogame.