No dia 5 de junho de 1981, médicos do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos publicaram um relatório que abriu o capítulo de maior impacto na história recente da medicina. Eram casos de uma rara pneumonia em cinco homossexuais de Los Angeles com idades entre 29 e 36 anos. Dois tinham morrido. Os demais padeciam com infecções resultantes da debilidade física em que se encontravam. O texto sugeria que uma contaminação se dera pela via sexual e apontava uma disfunção do sistema imunológico. Esse foi o primeiro registro do que viria a ser conhecido depois como Aids, a síndrome que no início era vista como sinônimo de morte. Hoje, às vésperas do 25º aniversário de sua descoberta, ela já não é encarada assim. É incurável, porém pode ser controlada com os modernos remédios que combatem o HIV, o vírus inimigo. O problema é que, apesar dos avanços científicos, o poder desse mal se perpetua, fazendo novas vítimas todos os anos, principalmente entre os mais pobres, os negros e as mulheres.

Nesse quarto de século, a Aids provocou 25 milhões de mortes. Na média, um milhão para cada ano, desde aquele intrigante relatório. Em 2005, foram três milhões de pessoas. Delas, 570 mil tinham menos de 15 anos. É um número 12 vezes superior ao total de baixas no Exército americano durante toda a guerra do Vietnã: 46 mil. Muitas crianças residiam no continente africano, o mais devastado. A região abriga atualmente cerca de 26 milhões de portadores, mais da metade do contingente global de indivíduos com o HIV, calculado em 40,3 milhões. Além dessa catástrofe, o que mais a doença gerou? “Ela trouxe à tona a discussão sobre o comportamento sexual, que não era aberta. Hoje, o tema é abordado nas escolas como jamais se imaginava há 15 anos”, observa a sanitarista Mariângela Simão, coordenadora do bem-sucedido Programa Nacional de DST/Aids. Debater a sexualidade é, de fato, uma conseqüência do medo promovido pelo HIV. Ele obrigou as pessoas a adotarem mais o preservativo, o que as demais doenças sexualmente transmissíveis não tinham conseguido fazer em larga escala. Uma pesquisa recente mostra que o uso da camisinha na primeira relação sexual passou de 48% entre jovens de 16 a 19 anos em 1998 para 66% em 2005. Em 1986, apenas 9% dos brasileiros se protegeram na primeira transa.

Mas especialistas alertam: infelizmente, os casos que chegam hoje aos consultórios têm refletido certa despreocupação na geração que não acompanhou de perto o temor do início. O consumo de substâncias ilícitas e o abuso de bebidas alcoólicas nas baladas, por exemplo, estimulam a liberalidade sexual. “Os jovens voltaram a se descuidar. Eles têm uma vida sexual mais ativa e teriam de se proteger mais, mas parecem acreditar que a Aids tem cura, já que a mortalidade e as internações caíram”, afirma o infectologista paulista David Uip. Não há estatísticas que comprovem o fenômeno. O que se sabe é que o índice de diagnóstico está aquém do desejado. O governo brasileiro estima que desde o início da epidemia são 600 mil os infectados (nos registros oficiais são 370 mil). Atualmente há 170 mil portadores em tratamento no País. As autoridades sanitárias calculam que existam 400 mil brasileiros com o HIV sem nenhuma assistência. Uma parte por vergonha de buscá-la e a maioria simplesmente porque ainda não sabe que carrega o vírus. Por isso, o grande desafio é estimular a realização de exames.

Há outras transformações impostas
pela Aids. A ciência teve de se desdobrar para encontrar rapidamente meios de conter seu avanço. Em 1987, surgiu o primeiro tratamento, o AZT. E as respostas continuaram vindo, cada vez mais sofisticadas. Duas novas classes de remédios estão em teste. Por caminhos que ainda não haviam sido explorados, uma delas impede a entrada do vírus na célula e a outra evita sua replicação na estrutura invadida. O ponto negativo é que as drogas exigem altos investimentos dos governos. É um fator que impede o acesso universal ao tratamento, especialmente na África. Por aqui, também preocupa. “Dos 18 remédios oferecidos pelo governo, três consomem 65% do orçamento do programa. Para salvar mais vidas, é preciso baixar os custos. O Brasil tem de quebrar patentes e produzir mais medicamentos. Fazendo isso, em um ano terá uma economia de R$ 200 milhões para investir no programa”, defende o infectologista Caio Rosenthal, de São Paulo.

Existe mais um aspecto a ser considerado. Grupos normalmente excluídos da sociedade, como é o caso dos homossexuais, se fizeram ouvir para exigir seus direitos, mas ainda há muito a ser feito. Os portadores continuam a sofrer com o estigma. Isso é um peso extra para os garotos que já nasceram com a síndrome e batalham para realizar seus sonhos, como qualquer jovem. “A gente só consegue ser normal se não contar que tem o vírus. Se disser, te tratam diferente”, diz C., 19 anos. Em suas palavras, o vírus da discriminação é o preconceito, algo que existe há mais de 25 anos e que, como o HIV, tem uma incrível capacidade de mudar e se esconder, embora continue lá, vivo. C. é autora de uma das cartas endereçadas a ISTOÉ para narrar o cotidiano dos soropositivos. São mensagens com lições que não devem ser esquecidas.