Nada é mais emblemático do atual estágio de contaminação do Parlamento do que a cassação do mandato do agora ex-senador Demóstenes Torres, nessa condição ficando inelegível até 2027. Pode parecer um contrassenso, mas a queda do político não se deu por um súbito impulso moralizador de seus pares. Uma conjunção de fatores – dentre os quais a própria imagem, construída por anos, de paladino da justiça, inquisidor implacável, defensor da moral e dos bons costumes que o levou a colecionar inimigos no Senado – o distanciou da patota e provocou a avalanche de votos para a sua saída. Somem-se ainda a pressão social, a coleção de evidências de seus malfeitos e o processo na Justiça e chega-se à conclusão óbvia de que se tratava, desde o início, de uma cassação anunciada. Seu afastamento não reduz a imensa dívida moral que o Congresso ainda tem por pagar com a sociedade. A sucessão de escândalos, desvios, esquemas de favorecimento e quebras de decoro apuradas com o envolvimento de nomes dessa Casa não cessou ao longo das últimas décadas, muito embora o ex-parlamentar Demóstenes tenha sido apenas o segundo senador destituído do cargo em 188 anos de funcionamento do Senado Federal. Continua lá o compadrio, o corporativismo, o acordo de cavalheiros que protege aqueles membros da aliança e que prolonga a permanência de outros denunciados cujos processos deram em nada, deixaram de seguir o mesmo rigor – até pelo interesse da maioria em preservar a própria imagem e evitar desfechos extremos que mais adiante servissem de jurisprudência para condenar os pecados de cada um. Demóstenes caiu bradando justamente contra a limpeza ética. Disse que a defesa da moralidade não compensa e chegou a confessar que só empunhou essa bandeira por anos de legislatura porque dava notoriedade, alguns minutos de televisão e boa fama. Triste discurso de despedida, deprimente demonstração do artificialismo de atos e promessas que ali impera. O papel de caçador de corruptos era mesmo mera encenação e o político justiceiro de pés de barro ruiu. Sem ele, o Congresso não fica nem melhor nem pior. Apenas o mesmo.