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MUSAS Atletas do nado sincronizado, Branca e Bia ficaram famosas no Pan. Agora, elas estudam teatro juntas

 

O universo das lendas é recheado de personagens gêmeos e a ficção também sempre explorou a duplicidade instigante que estes tipos oferecem. Na mitologia grega, Castor e Poluz, filhos de Zeus, representam a união para sempre. Mas vida de gêmeos também tem suas complicações. Rômulo e Remo competiram tanto que o primeiro, fundador da cidade de Roma, chegou a matar o segundo. Até hoje, o fascínio pelo exercício do “eu” e seu contrário ainda prevalece. Prova disso é a boa audiência da novela global Paraíso tropical. Paula e Taís (interpretadas por Alessandra Negrini) são gêmeas. Taís é a má que tenta matar Paula e tomar seu lugar socialmente, chegando a enganar até o marido da irmã.

No Brasil, gêmeos, trigêmeos e quadrigêmeos começaram a aparecer mais de 1984 para cá, quando nasceu o primeiro bebê de proveta da América Latina e teve início a busca por fertilização em clínicas por casais com dificuldades para engravidar. O processo usava maior quantidade de embriões e aumentava muito a possibilidade de gravidez múltipla. Mas hoje a situação é outra. Segundo o especialista Isaac Yadid, diretor do Huntington Centro de Medicina Reprodutiva, do Rio de Janeiro, e integrante da primeira equipe de bebê de proveta do País, agora domina-se melhor a técnica, transferem-se menos embriões e fertilizam-se menos óvulos. “Em nossa clínica, já reduzimos em quase 70% a gravidez de trigêmeos e de 20% a 25% a de gêmeos”, afirma ele, também membro do American Fertillite Society. Porém, diz o médico, muitos pais já chegam à clínica pedindo para ter filhos gêmeos. “Eles acham bonitinho”, afirma.

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ESPAÇO Breno não ia a festas onde sabia que Gustavo estaria. Ele mora em Niterói. O irmão, no Rio

 

Nem todos, porém, pensam assim. “Desde pequenas, ouvimos as pessoas dizerem que somos umas gracinhas. Hoje, aos 48 anos, parece comédia, mas ainda ouvimos isso”, diz Marta da Fonseca, irmã de Márcia, nascidas e criadas em Niterói, no Rio. Elas são do tipo siamesas até os dias atuais: “Os acontecimentos ruins de minha vida foram sentidos antes pela Marta”, afirma Márcia, citando a perda de uma gestação e um assalto que teriam sido pressentidos pela gêmea. “Não existe a minha casa e a casa dela, as minhas filhas e a filha dela. É tudo nosso”, sacramenta Marta.

Já os cariocas Gustavo e Breno Peralta Vaz, 29 anos, passaram uma boa parte da vida, em especial a adolescência, tentando demarcar territórios diferentes. “Se eu soubesse que ele estava em um lugar, eu não ia. E vice-versa”, relembra Breno. O pior, para ele, era dividir a festa de aniversário e, às vezes, até o presente. Com o tempo os jovens foram buscando diferenciais. Gustavo usa barba e Breno, não. Gustavo se formou em engenharia e Breno em direito. Gustavo mora no Rio e Breno, em Niterói. Gustavo engordou um pouco e Breno continua magro. Mas ambos concordam: “Passar a vida ouvindo a mesma coisa é chaaaaato”, como disse Gustavo. Nada mais terrível para os dois do que escutar a pergunta, em tom de espanto: “Vocês são gêmeos???” Outro comentário que se repete – e aborrece – é “desculpa, achei que você fosse fulano”.

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COMPLÔ Na juventude, Roberto e Marcelo se uniam nas brigas em casa. Mas eles trabalham separados

 

Para a psicanalista Ana Maria Iencarelli, presidente da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia), gêmeos têm apelo narcísico muito grande porque são sempre foco de atenção. As pessoas olham muito a dupla para conferir se são iguais mesmo ou se descobrem diferenças. Ela detecta duas tendências majoritárias adotadas pelos pais e pelos filhos: virar um só – por exemplo, vestir roupa igual, ser identificado como “os gêmeos” e não pelos nomes próprios – ou tentar se diferenciar demais, chegando até ao rompimento. Ambas as situações aprisionam. “É o que mostra a novela. As irmãs são seus contrários, uma é o bem e a outra é o mal.” A construção da identidade própria acontece se todos entenderem que cada um é um, fazendo a devida distinção.

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SIAMESAS Márcia diz que Marta pressentiu fases ruins em sua vida. Elas são unidas até hoje

 

Muitas vezes, o problema maior pode ser para o terceiro filho, aquele que não é um dos gêmeos. Esse é o caso do advogado Leonardo Rzezinski, 40 anos, irmão de Roberto e Marcelo, um ano mais novos. Quando brigava com um deles, estivesse ou não com razão, tinha de enfrentar os dois. “Os gêmeos formam um partido deles mesmo, são uma união forte, um vínculo cármico”, diz Leonardo. “É verdade. Em qualquer assunto, meu complô com o Marcelo sempre foi total”, reconhece Roberto. Foi na idade adulta, entretanto, que a dupla não deu certo, ao tentar trabalhar junto. Separados, Roberto virou sócio de Alexandre Accioly em cinco empresas, entre elas a academia Body Tech, e Marcelo se tornou executivo de um banco de investimentos. Gêmeos univitelinos e fisicamente idênticos, eles descartam que seja possível um substituir o outro diante de alguém íntimo.

 

 

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TEVÊ Alessandra Negrini faz Paula (à esq.) e Taís, de gênios extremos

 

Branca Feres, 19 anos, gêmea de Beatriz, concorda: “Tem sempre uma pinta, uma cicatriz, a altura… Dá para saber quem é quem.” As duas atletas de nado sincronizado – chamadas de “musas do Pan”, recentemente – só se vestem com trajes parecidos quando estão na piscina, em competição. “A gente tem estilo diferente. A Bia é um pouco mais vaidosa que eu, um pouquinho mais perua”, conta Branca. Mas reconhece que a união de ambas é profunda e definitiva. “Quando éramos pequenas, nossa mãe vestia a gente diferente e nós queríamos roupas iguais. Com certeza, vamos morar no mesmo país, na mesma cidade, no mesmo bairro”, diz. Certo, por enquanto, é que as cariocas cursam faculdade de teatro e devem virar atrizes. Lindas e idênticas, quem sabe não poderão fazer as versões futuras de Paula e Taís?