Oficialmente, o governo do Estado de São Paulo nega que tenha feito um acordo com o PCC para pôr fim ao terrorismo que espalhou pânico pela maior cidade do País na última semana. “O Estado não pode e nem vai negociar com bandidos”, dizia o governador Cláudio Lembo no domingo 14. Longe das câmaras de tevê a trama foi bem diferente. Na noite da sexta-feira 12, horas antes da ofensiva do crime organizado, o líder máximo do PCC, Marcola, estava na sede do Deic, o departamento especializado no combate ao crime organizado, em São Paulo. Era uma escala não prevista. Sem que tivesse conhecimento de seu destino, Marcola deveria ser removido do presídio de Avaré para Presidente Bernardes, esse de segurança máxima. A parada em São Paulo foi feita por insistência do secretário de Segurança Pública, Saulo Castro Abreu, contra a vontade do secretário de Assuntos Penitenciários, Nagashi Furukawa. No Deic, Marcola ficou sabendo qual seria o destino final de sua viagem e foi colocado três vezes diante de um arquiinimigo, o delegado Godofredo Bittencourt. “Eu posso te matar, você não pode me matar. O Estado é obrigado a me proteger”, desafiou Marcola ao se recusar a prestar depoimento sobre as atividades do PCC. A polícia tinha a informação de que rebeliões seriam deflagradas nos presídios paulistas em agosto. A transferência de Marcola e sua passagem pelo Deic acabaram antecipando as rebeliões e as ações de terror do PCC. Naquela noite começaram os ataques a ônibus e a bases da Polícia Militar.

O governo foi surpreendido pela ofensiva do PCC. No domingo, buscou o entendimento. “Eu não converso mais com o Deic. Se vocês quiserem negociar, que mandem para cá o doutor Cavalcanti, da delegacia de narcóticos.” Essa foi a resposta de Marcola ao coronel Brandão, comandante da PM na região. Horas depois, desembarcava em Presidente Bernardes, a bordo de um monomotor BE-36, Bonanza, prefixo PT-KIP, da Polícia Militar, o delegado José Luiz Ramos Cavalcanti acompanhado da advogada Iracema Vasciaveo, ex-delegada da Delegacia Anti-Seqüestro, que jura ser representante dos familiares de presos, e do juiz Antônio Ruiz Lopes, corregedor de presídios.

A comissão chegou ao presídio às 14 h. Lá, juntou-se ao coronel Brandão. Oficialmente, a ida do grupo para conversar com o líder do PCC não poderia ser tratada como negociação. Admitir isso significaria a vitória do crime organizado. O problema é que se esqueceram de combinar o segredo com os cerca de 20 agentes penitenciários que estavam de plantão. A reunião durou aproximadamente três horas. Marcola advertiu os representantes do governo que àquela altura seria impossível mandar parar de imediato as ações de terror. Só poderia assegurar a volta da tranqüilidade para a manhã da terça-feira. A única coisa que garantia era a suspensão das rebeliões. Apesar da advertência, o líder do PCC obteve quase tudo o que reivindicou. A entrada de 60 televisores nas cadeias para a Copa do Mundo, o fim dos uniformes amarelos – fáceis de identificar em casos de fuga –, respeito ao horário do banho de sol, ampliação no número de pessoas para visitas íntimas. E mais: Marcola admitia permanecer no Regime Disciplinar Diferenciado por no máximo três meses.

Feito o acordo, Marcola disparou um “Salve” – comunicação entre presídios feita a partir de uma carta lida por um dos líderes e repassada às outras penitenciárias por celular – determinando o fim dos ataques, bem como o encerramento das mais de 80 rebeliões que estavam em andamento nos presídios de São Paulo. Abaixo, o texto do “Salve” redigido após a reunião:

“SALVE GERAL. Deixamos todos cientes que as faculdades (presídios) que
se encontram em nossas mãos, estarão normalizando às 9h00 de amanhã,
desde que nossos irmãos já se encontrem em banho de sol em Venceslau e
que seja normalizado o atendimento com os advogados e que não tenha entrada
da tropa de choque em nenhum presídio. Só desta forma será entregue os
presídios. Estaremos libertando um refém de cada presídio como demonstração
que estará sendo normalizada esta situação, com o cumprimento do conteúdo de todas essas palavras.”

Era noite do domingo 14 quando a determinação de Marcola ecoou. O que o líder dos criminosos não avisou aos representantes do governo era que os ataques aos ônibus não seriam suspensos de imediato. “Mesmo porque a organização criminosa arrecada com o pedágio das peruas quase R$ 200 mil por mês com o transporte de passageiros”, disse um dos que estavam presentes na reunião.