Não se pode negar a Jean-Marie Le Pen o mérito da coerência política. Enquanto as diferenças entre a esquerda e a direita clássicas se esvaem cada vez mais na bruma da mundialização, o histriônico líder da extrema direita francesa continua defendendo os mesmos valores que o fizeram entrar na política em 1956, quando se tornou, aos 28 anos, o mais jovem deputado eleito na França: o anti-semitismo, o ódio aos estrangeiros, o apego a um nacionalismo tacanho e a crença de que só um governo autoritário resolverá os problemas do país. Esses valores, caros à direita reacionária francesa desde a queda de Napoleão Bonaparte em 1815, foram postos em prática com sinistra coerência pelo regime pró-nazista de Vichy (1940-1942), pelo qual Le Pen tem velada admiração.

A persistência também é outra virtude desse filho de pescador nascido em La Trinité-sur-Mer (perto de Lorient, na Bretanha), em 20 de junho de 1928. Líder estudantil já seduzido por idéias fascistas, em 1953 Le Pen se alista num regimento de pára-quedistas da Legião Estrangeira para lutar no Vietnã, então colônia francesa. Quando chega, em julho de 1954, recebe a notícia de que o Exército francês fora derrotado pela guerrilha vietnamita na fortaleza de Dien Bien Phu. De volta à França, entra para a política pelas mãos de Pierre Poujade, líder de um movimento de extrema direita de pequenos comerciantes e camponeses. Mas o gosto pelo sangue leva-o de volta aos campos de batalha: depois de uma passagem por Suez, em 1956, Le
Pen parte para a Argélia, que também travava
uma sangrenta luta para se libertar do domínio francês. Lá, integra unidades antiterroristas, célebres pela prática indiscriminada de
tortura contra prisioneiros. Consta que o tenente Le Pen participou
de sessões de interrogatório.

Depois da independência da Argélia, em 1962, ele monta a Serp, uma gravadora especializada em discos políticos – principalmente hinos nazistas –, e se lança de vez na política. A Frente Nacional nasce em 1972, e nas eleições presidenciais de 1974 Le Pen obtém irrisórios 0,74% dos votos. Atinge o fundo do poço em 1981, quando o socialista François Mitterrand chega ao Elysée e Le Pen não consegue o número suficiente de assinaturas para se candidatar. Mas, apenas dois anos depois, a Frente Nacional conquista 17% dos votos em eleições municipais, iniciando uma decolagem lenta mas segura. Desde então, seu movimento nunca obteve menos de 10% dos votos dos franceses.

Famoso pelas provocações, como a afirmação de que os campos de extermínio na Alemanha nazista foram apenas “um detalhe”, Le Pen também é o típico fascista que gosta de tirar as diferenças no tapa. Na década de 70, perdeu um olho numa briga com um adversário (ele hoje usa olho de vidro) e há quatro anos teve seus direitos políticos suspensos temporariamente por ter agredido fisicamente a candidata socialista Annette Pelvast-Bergeal. Na melhor tradição, aliás, dos camelots du roi ou da Croix de Feu, as milícias fascistas que assombraram a França
nos anos 30.