Nas tensas reuniões que teve esta semana, o presidente Fernando Henrique Cardoso se queixou do acúmulo de problemas. Reclamou que, além de chefe da nação e responsável pela administração da crise, estava tendo de atuar como o coordenador de campanha do candidato José Serra (PSDB). Numa dessas conversas, segundo um assessor, FHC desabafou: “Não vou entregar o País quebrado, até porque ele não está. Isso para mim é mais importante do que qualquer candidatura.” A bronca presidencial exibe a temperatura elevada de um dos mais delicados momentos de todo o seu governo.
A crise econômica, antes utilizada como tática contra o PT, agora é real e preocupante. E a forma como o presidente atuará será determinante na imagem futura de seu governo, ou seja, naquilo que Fernando Henrique considera o seu principal patrimônio: “A minha biografia.” Daí ele ter determinado ao ministro da Fazenda, Pedro Malan, o fechamento imediato do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O objetivo é estancar rapidamente a crise especulativa causada pela falta de dólares no mercado. Logo a seguir, FHC planeja recolocar em funcionamento a máquina administrativa e tentar chegar ao final do governo sem que sua biografia esteja irremediavelmente manchada. Para isso, ele acredita que será necessário estabelecer canais de diálogo com os candidatos de oposição, especialmente Ciro Gomes, do PPS, e Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, capazes de garantir uma transição tranquila. O acordo com o FMI serviu como o primeiro passo nessa aproximação.

Independentemente dos valores que o Brasil sacará do Fundo e das previsíveis exigências dos tecnocratas internacionais para apertar ainda mais o cinto, o governo brasileiro combinou um roteiro de procedimentos com Lula, Ciro e Serra. Afinal, um deles vai herdar a encrenca e nenhum se opôs a que o acordo com o Fundo invadisse os primeiros meses do novo governo. Quem deu a pista dessa anuência foi o próprio presidente do Banco Central, Armínio Fraga, mencionando que “os compromissos básicos de apoio dos candidatos já estão garantidos”. Antes de carimbar o passaporte da equipe que viajou a Washington esta semana para detalhar as bases do novo acerto, o presidente do BC convidou cada um dos candidatos para uma conversa reservada sobre a necessidade de um empréstimo extra para garantir o equilíbrio das contas. O único excluído foi o candidato do PSB, Anthony Garotinho. Serra, como era de esperar, fez mais que os adversários. Depois de estar com Fraga, montou um espetáculo de mídia e visitou Pedro Malan. Conforme o combinado, o ex-ministro da Saúde saiu de lá exibindo um novo figurino, mais governista, defendendo o acordo de emergência com o FMI. “Nós somos muito amigos, conversamos sempre ao telefone”, declarou, desmentindo a velha rixa com seu antigo colega de governo. Serra passou a ser mais enfático na defesa do acordo. “É correto estender o acerto que o Brasil já mantém com o FMI. Isso não impõe sacrifícios adicionais e dá mais segurança para a economia.” Mas ele não abriu mão de tirar uma lasquinha de um dos adversários: “Não pode é ter componente eleitoral do tipo quanto pior melhor. Toda vez que o Ciro Gomes abre a boca, o dólar sobe e uma fábrica fecha.” Mesmo esse ataque faz parte do combinado entre governo e oposição na questão do FMI.

Nos encontros de Armínio Fraga com Ciro e o deputado Aloizio Mercadante, designado representante oficial de Lula para aquela conversa, ficou acertado o seguinte: ninguém tem que abrir mão de seu discurso de campanha ou de sua ideologia. É livre a crítica, mas era fundamental que, mesmo os oposicionistas, declarassem que respeitarão o que foi assinado com o FMI. Ou seja, Lula e Ciro poderiam lavar as mãos dizendo que a crise é responsabilidade do governo, mas ninguém avançaria em críticas mais virulentas contra o dinheiro novo. Todos sabem de sua necessidade para acalmar o mercado. Traduzindo: o risco do desgaste político nas urnas é exclusivo do atual governo e seu candidato. A oposição fará críticas após conhecer os detalhes do acordo.
Alter ego de Ciro, o economista Mangabeira Unger, em artigo no jornal Folha de S.Paulo na terça-feira 30, foi explícito na rejeição à proposta de que os próprios candidatos assinassem compromissos prévios com o Fundo. Unger argumenta que inexistem instrumentos jurídicos para tal, mas defende que o governo atual bata no caixa do FMI. “Devemos recorrer sem medo ao Fundo sempre que for preciso.”

Armínio Fraga diz que o aval dos candidatos já foi obtido. Ciro Gomes segue o diapasão de Unger. Espeta o governo, diz que não assina nada como candidato, mas quer o ingresso de dinheiro novo. “Dentro do modelo ruinoso da economia, eles precisam arranjar dólar com grande pressa, senão podemos ter uma pressão inflacionária muito séria, além de uma explosão da dívida interna”, disse ele, acrescentando: “Estou disposto a colaborar no que estiver a meu alcance.” O candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, também incorporou a cautela sobre o acordo. “Ele (FHC) não precisa pedir permissão para assinar, mas se eles acham que nesse momento da economia é preciso fazer isso, então que façam”, afirma o petista, que também abriu as portas para discutir o acordo de emergência com FHC: “O problema agora passa a ser de todos nós”, disse Lula. Apenas o ex-governador do Rio, que não se encontrou com o presidente do BC, destoou. Garotinho criticou os encontros, anunciou que, se eleito, demitiria Fraga e apontou uma “direitização” dos candidatos de oposição.

Para FHC, essa primeira fase da conversa com as oposições foi um sucesso. A segunda, em estudo, poderá ser a dos encontros dele mesmo com os candidatos para conversar sobre a crise. As sondagens já foram feitas. A Lula, por intermédio do presidente do PT, José Dirceu. Em sua visita aos EUA, Dirceu, ao receber ajuda dos diplomatas brasileiros para encontros com autoridades do governo americano, telefonou para FHC. O presidente do PT cometeu até uma inconfidência, revelando que ouviu do presidente que poderia apoiar Lula num segundo turno. Quanto a Ciro, o caminho foi aberto pelo ex-governador tucano do Ceará Tasso Jereissati, que esteve com FHC na terça-feira 30. Tasso saiu dizendo que não há dificuldades para uma reaproximação entre o presidente e o candidato do PPS. A única dúvida agora é essa: Fernando Henrique vai discutir a transição com Lula e Ciro antes de 6 de outubro, ou deixará a conversa para o segundo turno?

 

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