A onda de reformas neoliberais, privatizações e abertura econômica que varreu a América do Sul nos anos 90 não deu certo. A região, que soma 343 milhões de habitantes e um Produto Interno Bruto estimado em US$ 1,5 trilhão, entrou no século XXI tão ou mais pobre que antes – a pobreza atinge 44% da população e o número de desempregados duplicou em dez anos – vítima da prática de políticas que privilegiam o mercado, a corrupção, a enorme dependência do capital internacional, que fugiu dos chamados países emergentes com a desaceleração de 2001 e com os atentados de 11 de setembro. A opção que restou foi se colocar à mercê do Fundo Monetário Internacional e cumprir ordens. A avaliação de risco para investimentos na América Latina é a pior desde 1997, segundo levantamento da Economist Intelligence Unit (EIU), divulgado pela BBC. Apenas os países africanos oferecem mais riscos para os investidores, de acordo com a análise das seis regiões pesquisadas pela EIU. Dados da Comissão Econômica para a América Latina mostram que a América Latina está entrando em recessão. Em 2000, os países da região cresceram em média 4,1%. A projeção para este ano aponta para uma queda de 0,5%, enquanto as perspectivas de investimento estrangeiro direto na região indicam queda de 30%. Segundo a Cepal, esse volume não deverá passar de US$ 56 bilhões.

Da Argentina, o cambaleante presidente Eduardo Duhalde declara que a crise econômica dos países da América Latina demonstra o colapso do modelo. O país sofre nas garras do FMI e vive a pior crise de sua história. Depois de fechar o primeiro trimestre com uma queda de 16,3% no PIB, deverá terminar o ano com uma recessão de 12%, entrando no quinto ano de contração econômica consecutiva. O acordo, segundo analistas, ainda está distante, apesar dos esforços do país para se ajustar às exigências diabólicas do Fundo. A eleição presidencial será em março.

No Uruguai, o Banco Central decretou feriado bancário na terça-feira 30, quando as reservas atingiram US$ 725 milhões, US$ 52 milhões menos que na segunda-feira 29, uma queda de 76,61% em relação aos US$ 3,1 bilhões registrados em 31 de dezembro de 2001. O feriado, que se prolongou até sexta-feira 2, provocou longas filas de pessoas que tentavam sacar dinheiro nos caixas eletrônicos e muitos protestos. O peso chegou a ser negociado a 35 por dólar, uma desvalorização de 22,85% em relação ao dia anterior, quando a cotação era de 27 pesos por dólar. O país está pendurado no FMI e enfrenta uma recessão que persiste há quase quatro anos e foi agravada pela crise argentina. De acordo com a revista Busqueda, o Uruguai receberá na próxima semana uma ajuda de US$ 1,5 bilhão do Fundo, graças ao apoio direto do Tesouro dos Estados Unidos.

No Paraguai, a situação é pior ainda. Na semana passada, o presidente Luis Gonzaléz Macchi admitiu sua incapacidade para desmantelar o esquema de corrupção instalado em seu governo. O dólar bate recordes e já acumula uma valorização de 24% no ano. O governo, atacado por recorrentes manifestações, não consegue pagar os US$ 18 milhões referentes aos juros de sua dívida e aguarda um acordo com o FMI. O Paraguai é o último país do mundo em competitividade industrial, segundo a Agência de Desenvolvimento Industrial das Nações Unidas. A política industrial do país é patética. A indústria paraguaia participa com apenas 12% do PIB do país, de US$ 8 bilhões. Cerca de 15% da população vive em situação de miséria e 30% dos trabalhadores estão na economia informal. O país tem reservas de apenas US$ 520 milhões – um terço dos recursos que a elite paraguaia mantém no Exterior.

Guerra civil – Ao Equador, não adiantou se submeter à humilhação de abandonar sua moeda de 116 anos, o sucre, e adotar o dólar. Passados dois anos, o país está nas mãos do FMI, negociando desde janeiro um acordo que, se sair, não sairá antes do final do ano, no valor de US$ 240 milhões. O governo espera para os próximos dias a chegada de uma missão do Fundo ao país. O Equador terá eleições presidenciais no dia 20 de outubro.

Sitiada pela guerrilha e pelo tráfico de drogas, a Colômbia, que está à beira de uma guerra civil, também tenta se ajustar para ir ao FMI. O presidente Álvaro Uribe, que assumiu em maio prometendo mão forte contra a guerrilha e o narcotráfico, fala num firme programa de ajuste estrutural para conseguir dinheiro com o Fundo. As perspectivas de crescimento, de 1,5%, são insuficientes para gerar novos empregos. No país, mais de 60% da população é pobre, e apenas 20% concentra metade da riqueza nacional. Não pode dar certo. O desemprego atinge quase 20% da força de trabalho. A participação dos traficantes de drogas no PIB é estimada pela ONU em 3%.

A Bolívia patina há quatro anos numa crise econômica e também está sob as rédeas do FMI, assim como o Peru, onde mais da metade da população vive na pobreza. Não foi por acaso que a popularidade do presidente peruano, Alejandro Toledo, caiu de 80% para perto de zero em apenas um ano de governo.

Ninguém escapa. Nem o Chile, transformado em ilha de prosperidade cercada de crise por todos os lados. O presidente Ricardo Lagos já pediu à população “unidade e altivez de propósitos” para enfrentar turbulências econômicas ainda maiores, diante dos sinais de crise que vêm principalmente da Argentina, do Brasil e do Uruguai. Lá o dólar também tem se valorizado.