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SUPERAÇÃO A professora Maria José só venceu o medo de falar em público depois que começou a tomar remédio e fazer terapia

Andar pela orla da praia de óculos escuros com o olhar fixo no chão. Torcer para não ser notado em lugares públicos. Não atender o telefone. Com ares de táticas de celebridade para fugir de assédio, tais situações são corriqueiras na vida de quem sofre de uma doença reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como fobia social ou timidez patológica. Ela é identificada em pessoas que têm medo de agir de forma ridícula ou inadequada na presença de outras – o que as faz deixar de se relacionar. Cerca de 5% da população mundial sofre desse mal, segundo o professor do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Antônio Egídio Nardi, autor de Fobia social – a timidez patológica.

O auxiliar administrativo gaúcho Eduardo Finkler, 22 anos, há três faz terapia para deixar de figurar nessa estatística. Antes de procurar um psiquiatra, ele passou três anos suando toda vez que o telefone da empresa que trabalhava tocava. Nessas horas, fingia ignorar o som até que um dos colegas atendesse a ligação. Mais do que deixar Eduardo ansioso, desempenhar uma atividade, fosse no trabalho, na hora de se divertir com amigos ou conhecer uma garota, o prostrava. Por isso sua timidez era patológica. Se fosse apenas tímido, em vez de fugir dessas situações, ele até poderia transformar a ansiedade em combustível para melhorar seu desempenho. “Até os 19 anos eu nunca tinha saído à noite. Namorar, então, não tinha condições”, conta o gaúcho. “Eu até queria conversar com as pessoas, mas travava, não conseguia e passava por antipático.”

O médico Nei Nadvorny, de Porto Alegre, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, conta que o fóbico social vive em um mundo de fantasia, na medida em que acredita que há um holofote sobre sua cabeça em qualquer lugar freqüentado por ele. Para o terapeuta, coordenador do site Laboratório da Timidez, a educação dos pais é a responsável por tornar uma pessoa patologicamente tímida. “Três tipos de situação podem favorecer isso: a família que superprotege o filho, a que o desprotege e aquela em que o pai e a mãe são tímidos”, afirma Nadvorny. Já o psiquiatra Nardi, que na UFRJ coordena o Laboratório de Pânico e Respiração e é pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ressalta o fator inato: “A pessoa já nasce com fobia social. É uma doença hereditária.”

Posições diversas sobre essa enfermidade são comuns entre os especialistas. Fonoaudióloga e diretora da Clínica da Timidez e da Fobia Social, em Campinas, Leda Vasconcellos fez um estudo comparativo entre o comportamento de pessoas tímidas e não-tímidas para sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP), em 2005. Em suas pesquisas, levantou estudos que mostram que as duas correntes não podem ser descartadas. Famoso pesquisador americano do Instituto de Pesquisas Relacionadas à Timidez da Universidade de Indiana (EUA), Bernardo J. Carducci concluiu que 20% dos bebês têm tendência inata à timidez e, na fase adulta, 42% são tímidos. Em Porto Alegre, foi só há seis meses que a professora de 42 anos Maria José Espíndola procurou ajuda para tratar sua timidez patológica. Ela passou metade da vida no magistério com receio de, nas reuniões escolares, ser criticada pelas colegas de trabalho. “Tinha idéias, opiniões, mas muito medo de falar”, conta. “Em reuniões de pais, então, não os enxergava. Sentia como se tivesse um horizonte à minha frente.”

SOB CONTROLE Até os 19, Eduardo (de camisa listrada) não saía nem namorava e, ainda por cima, passava por antipático. O tratamento mudou essa história

Na vida afetiva, Maria José teve poucos namorados, nunca se casou e ainda mora com os pais. Ela sempre evitou conviver em grupo. Antes de iniciar tratamento psicoterápico, a professora tinha o seguinte modus operandi tímido-doentio em lugares públicos: permanecia imóvel em um mesmo lugar, fixava o olhar em um ponto e sentia o batimento cardíaco acelerar toda vez que alguém olhava para ela. “Hoje, consigo dizer o que penso no colégio e já estou olhando no rosto das pessoas quando saio”, diz a professora, que toma antidepressivo todos os dias e faz análise semanalmente . “Mas não estou curada ainda.”

De acordo com o psiquiatra Nardi, o fóbico social nunca será extrovertido, mas terá um salto de qualidade de vida com o tratamento psicoterápico. A fonoaudióloga Leda, da Clínica da Timidez e da Fobia Social, cuja tese de doutorado da USP mostrou a prevalência de 56% de pessoas tímidas no Estado de São Paulo, segue essa linha: “Ele pode melhorar em situações cotidianas em que tem dificuldade.” Foi o que ocorreu com o auxiliar administrativo Finkler. Hoje, ele faz vendas por telefone, deixou a casa dos pais para morar sozinho e já se relacionou com algumas garotas – que tomou a iniciativa de procurar. “Sinto ansiedade antes de sair, mas não deixo de fazer isso uma vez por semana. A qualidade de vida que tenho hoje não se compara”, comemora.