A favela onde ela mora de bonito só tem o nome: Vila Esperança. De cima do morro, avista-se de um lado o poluído rio Tietê e do outro um lixão infestado de urubus, mosquitos, baratas e ratos, fonte de renda de 60 famílias. O lixo, no entanto, não diminui a esperança de Iracilda Alves da Cruz, 18 anos, de alcançar o luxo de posar como modelo fotográfico. Em um barraco de dois cômodos, feito com pedaços de madeira, Iracilda mora com o marido, Paulo de Amorim, 19. É debaixo desse teto feito com pedaços de telha de amianto que ela sonha com um mundo rodeado de fotógrafos, viagens para o Exterior, pipocar de flashes e seu rosto estampado em capas de revistas. “Meu mundo é esse, quero mesmo é ser modelo fotográfico”, revelou a moça, enquanto recolhia papelão, latinhas e sucata no vazadouro de Santana do Parnaíba, a cerca de 50 quilômetros da
capital paulista.

Ira, nome que pretende adotar se a fama chegar, estudou até a quarta série e conta que o desejo de ser modelo é motivo de riso entre os vizinhos. “Eles debocham,” resigna-se. “Vivo do lixo desde os 11 anos. Mas tem um ditado que diz que a gente não deve perder a esperança e eu não vou perder a minha”, afirma. Baiana de Caldeirão Grande, Ira e os irmãos chegaram em Santana do Parnaíba em 1995, com os pais, bóias-frias, Iraci e Damião. O casal trabalhava na roça em troca de R$ 3 por dia. “Viemos do campo direto para a favela pensando em mudar de vida. Não conseguimos trabalho”, lembra Iraci, 47 anos, mãe da moça. “O que sobrou foi o lixão. E aqui estamos.” Até hoje, mãe e filha trabalham juntas e ganham R$ 200 por mês.

Em outubro do ano passado, Ira fez um book em Osasco. “Paguei R$ 380, em quatro vezes.” De lá para cá, já participou de dois concursos. Um para ser capa da revista Mídia e outro para ser a Rainha do Rodeio de Osasco de 2002. “Não passei ainda em nenhum. Mas vou continuar tentando.” No último dia 4, Ira não foi trabalhar. Saiu de casa às 8h, com a reportagem de ISTOÉ, para conhecer a agência Mega Models, na Cidade Jardim, em São Paulo, uma das mais conceituadas do País. Com seu book embaixo do braço, Ira viu, de perto, várias modelos e conversou com o dono da agência, Ely Haddid. “Você é bonita. Mas tem pouca estatura (1,60 m) para o nosso perfil. Mas tenho certeza que não faltará agência com potencial para se interessar por você.” Haddid, no entanto, mostrou à moça como é um dia de top model: ela cortou e pintou os cabelos. Em seguida, passou por uma sessão
de maquiagem no badalado Studio W, de Wanderley Nunes, no
Shopping Iguatemi.

Wanderley, que atua em todos os concursos de modelos do País e é o responsável pela transformação de atrizes e atores de novelas e minisséries da Globo, falou com empolgação da transformação que seria feita. “Será uma superprodução. Se depender do trabalho desta casa, ela já é uma estrela”, assegurou. Sete horas depois, Iracilda transformou-se na tão sonhada Ira. A mágica não teve varinha de condão. Começou pela tesoura e pelos pincéis de Marcos Proença, um dos braços direitos de Wanderley. O louro artificial dos cabelos virou castanho. “Usamos um tom que combina com a pele e a cor dos olhos dela”, revelou Proença. “O corte e as luzes vão valorizar mais ainda a sua beleza”, ressaltou.

No quesito maquiagem, o rosto de Ira foi entregue a Théo Carias, que maquiou a top model Naomi Campbell. A lista de brasileiras famosas que já foram retocadas por esse cearense é extensa. Entre elas estão Eliane, Regina Duarte, Carolina Ferraz, Giovanna Antonelli e Scheila Carvalho. “Hoje, a tendência é se usar cada vez menos maquiagem. Mas no caso dela é diferente, estou fazendo algo adequado para um editorial de moda”, explicou. Wanderley Nunes acompanhou os trabalhos de perto e até o fim. Avaliou cada detalhe da produção e aprovou o resultado final. De quebra, vestiu a moça com um modelito da grife G, da empresária Glória Coelho. Ira gostou das horas em que viveu uma espécie de Cinderela: “Eu estou linda”, concluiu. “Há pessoas que mesmo sem os melhores cremes e produtos têm uma beleza que chama a atenção. É o caso dela”, elogiou Wanderley. As 12 badaladas, no entanto, aconteceram à 22h, quando Ira voltou para a vida real, na favela Esperança. Mas a jovem do lixão manteve acesa a chama de seu desejo: “Quem sabe se com essa reportagem, alguma agência me chame para fazer um trabalho”, sonha.