Os convites para conversas reservadas são muitos e de todas as colorações políticas. O empresariado que desfila pela avenida Paulista e responde pelo PIB nacional acena, faz um chamego e se mostra disposto a uma aproximação com o candidato do PT ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva. O sapo já não é tão barbudo e indigesto, como em 1989. A experiência de ter enfrentado o establishment por três vezes mudou Lula, e as sucessivas eleições pós-ditadura militar mudaram o País. Governo em vários Estados e em grandes cidades, o PT já não assusta o capital internacional. Os índices registrados nas recentes pesquisas de intenção de voto, a moderação da política socioeconômica e a estagnação da candidatura governista de José Serra (PSDB) fizeram do candidato petista um pretendente cobiçado.

Até inimigos históricos, como os caciques Antônio Carlos Magalhães e Paulo Maluf, andam admitindo votar em Lula. Maluf chegou a tirar o chapéu para o candidato no programa Raul Gil, da Rede Record. ACM não perde a chance de elogiar Lula, chegando a dizer que não declara o voto no petista porque pode atrapalhar a campanha da oposição. Lula não se faz de rogado e diz, com todas as letras, que quer todos os votos, venham de onde vierem. “Todo mundo tem a oportunidade de fazer a coisa certa na vida. Eu estou naquela: não vou pedir o voto da direita, mas também não vou rejeitar”, afirmou Lula. Para o público interno, ele prefere a tese de que eleitor não tem dono: “Não vamos colocar fiscais para fazer apuração ideológica.”

Lula transita entre os opostos e avança para o centro. Uma aliança com o PL é dada como certa, apesar das resistências internas do PT em relação à Igreja Universal e pelas divergências regionais entre os partidos, agravadas pela verticalização das alianças. O empresário e senador mineiro José Alencar (PL) aposta suas fichas para ser o vice de Lula: “Se Deus quiser, essa aliança vai sair.” Quanto às coligações nos Estados, Alencar admite que há problemas, mas vem “conversando com os companheiros para aproximar o PL do PT”. O argumento: “Votar em Lula é votar no Brasil.” O senador Fernando Bezerra (PTB-RN), que hoje preside a Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirma que a resistência do capital ao candidato do PT diminuiu. Segundo pesquisa Vox Populi/CNI/Fiesp, 45% dos empresários paulistas votarão de acordo com as propostas, e não pelos partidos dos candidatos. O presidente da Fiesp, Horácio Lafer Piva, ressaltou que a maior preocupação da categoria foi sanada: “O PT já deu uma mensagem clara de que não pretende mudar a regra do jogo e de que não significa mais a ruptura.” Segundo Piva, a proximidade de Lula com José de Alencar quebrou o gelo entre empresários e o petista.

Sem calote – As difíceis relações do empresariado com a equipe econômica do governo de FHC também têm dado uma mãozinha a Lula. Luiz Fernando Furlan, diretor de Comércio Exterior da Fiesp, criticou no programa Opinião Nacional, exibido na semana passada pela TV Cultura, a política de exportação de FHC. “Somos muito competitivos, mas temos barreiras. Política industrial é uma palavra que vem sendo hostilizada.” Quanto à possibilidade de o PT chegar ao poder, Furlan ressaltou que “nenhum candidato romperá com as regras ou dará um calote internacional. O empresariado poderá, se for o caso, tender para a oposição. Convivo com prefeitos e governadores do PT e de todos os partidos. Posso dizer que não há diferenças”.

O candidato do PSB, Anthony Garotinho, empatado tecnicamente com José Serra na segunda colocação, enfrenta a oposição de pesos pesados de seu partido, como João Alberto Capiberibe, ex-governador do Amapá, e da deputada Luiza Erundina, a principal liderança do PSB em São Paulo. Capiberibe diz abertamente que, se Garotinho cair para 14%, o partido discutirá a hipótese de apoiar Lula. Erundina comunga da mesma opinião e faz coro às críticas desferidas contra o ex-governador do Rio, que vem centrando sua campanha em ataques a Lula e ao PT, poupando Serra. Na última pesquisa do Ibope, divulgada na terça-feira, 23, Garotinho caiu de 17% para 16%, enquanto Serra manteve os 18% e Lula os 35% de uma semana antes. Na avaliação feita pelo Vox Populi, na segunda-feira 22, Lula, com 39%, está 20 pontos à frente de Serra. Garotinho tem 16% e Ciro, 12%.

A situação de Ciro Gomes na Frente Trabalhista, reúne PTB e PDT ao PPS, não é nada confortável. Depois do desgaste sobre um improvável apoio do PFL, agora a coligação enfrenta a divisão interna. O presidente do PDT, Leonel Brizola, não aceita a candidatura de Antônio Britto, do PPS, ao governo gaúcho. Oriundo do PMDB, Britto já foi governador e teve o PDT como seu inimigo quase mortal. “Ele não estava no pacote,” disse Brizola sobre o acordo em torno do PPS. “Não devo obediência a Brizola,” provoca Britto. O impasse continua e pode detonar a Frente Trabalhista, transformando Ciro Gomes num candidato nanico. O governo está adorando.

“Mala sem alça” – Ciro teve outro abalo na Justiça Eleitoral. Atendendo a uma consulta do PSDB, o TSE decidiu que o candidato do PPS não pode aparecer nos programas do PDT e do PTB. Toda a estratégia eleitoral de Ciro estava montada no tempo de televisão a ser usado em junho. Os três partidos estão perplexos e ainda não sabem o que fazer. A tendência é que Ciro apareça nos programas mesmo correndo riscos de ser punido. Em meio à crise, o candidato do PPS participou de um evento “by Patrícia Pillar”, sua mulher. Em reunião com artistas no Rio de Janeiro se comparou a Tancredo Neves e chamou o tucano Serra de “mala sem alça” e “muito chato”. Ciro poupou Lula. Disse ter uma “pinimba” com o PT, que ele traduziu como “uma queixazinha superável”.

Na contramão de Leonel Brizola, que não aceita uma aliança com Lula (leia entrevista à pag. 28), o líder do PDT na Câmara, deputado Miro Teixeira (RJ), é taxativo: “A opinião pública não perdoaria uma possível derrota da oposição por causa da incompreensão e da falta de unidade de seus dirigentes.” Miro cita a França como exemplo. O primeiro-ministro socialista Lionel Jospin não foi para o segundo turno das eleições presidenciais devido à desunião da esquerda, que cedeu espaço para Le Pen, da extrema direita. Já o presidente do PT, deputado José Dirceu (SP), prefere não falar de alianças. “Estamos preocupados com a campanha. Não procuramos ninguém, nem PDT, nem PPS, nem PTB
e nem PSB.”

Inebriado com a chance de chegar ao poder, Lula alimenta o sonho de ver a oposição unida em torno de seu nome ainda no primeiro turno. “Sonhar não é proibido. Eu não tenho atacado ninguém. Não estou preocupado com o que diz um ou outro candidato.” Tranquilo, Lula segue buscando votos, principalmente do eleitorado que teme mudanças. Como parte da estratégia do marqueteiro Duda Mendonça, o candidato gravou o programa do partido que irá ao ar no dia 9 de maio. Dirigido pelo publicitário, Lula e a bancada federal do PT se reuniram em frente ao Congresso. Por várias vezes, o petista parou para dar autógrafos ao público que assistia às gravações. A surpresa ficou por conta de José Alencar, o cortejado candidato a vice. Ao ver Lula, parou o carro e foi abraçá-lo. Mas estas imagens não irão ao ar. Alencar, pelo menos por enquanto, é penetra na farra do PT. Para participar, terá de esperar a festa de casamento.

“Lula beira a traição”

O presidente do PDT, Leonel Brizola, que ameaçou abandonar Ciro Gomes caso o PPS lance Antônio Britto ao governo do Rio Grande do Sul, reagiu com a contundência de seu estilo brigão aos boatos de que poderia apoiar Lula. Aos 80 anos, ele cobra coerência do PT e diz que Lula, seu parceiro de chapa na última eleição presidencial, “já entrou para o sistema”.

ISTOÉ – É verdade que o sr. estaria se reaproximando de Lula?
Leonel Brizola –
Que Lula? Se eu passasse por ele na rua, nem o reconheceria, de tão transformado na maneira de se vestir, no cabelo impecável. Quase não tem barba mais, aparou tanto que virou barbicha. A fala está empostada e a linguagem, sofisticada demais.

ISTOÉ – Não são transformações positivas?
Brizola –
Nessa marcha, ele vai caminhar para resultados como os da esquerda francesa, se descaracterizar e fortalecer a direita.

ISTOÉ – Se o PPS lançar Antônio Britto ao governo gaúcho, o sr. continua apoiando Ciro?
Brizola –
Não dá para responder antecipadamente. Só digo que seguimos a linha com a qual montamos a frente. Britto não estava no pacote como protagonista. Guardadas as proporções, o governo dele foi mais neoliberal do que o de Fernando Henrique. Privatizou tudo. Quero que eles cumpram o acordo de que o cabeça de chapa é do PDT. O PPS pode vir a ser, mas ainda não é um partido, não tem estrutura, é apenas um conjunto de quadros. No Rio Grande do Sul, somos maiores que o PPS e o PTB somados.

ISTOÉ – O que o sr. vai fazer se o PPS realmente lançar Britto?
Brizola –
Estamos empenhados em eleger Ciro Gomes e esperamos que o Roberto Freire e o PPS parem de prejudicá-lo. O PPS podia atacar o Fernando Henrique ou o Serra em vez de fazer Ciro de refém e criar constrangimentos para quem quer nos apoiar.

ISTOÉ – Tem gente no PDT que pensa diferente e gostaria
de apoiar Lula.

Brizola –
O PDT é muito aberto, tem de tudo. Mas quando sai muito fora da linha do partido a gente bota pra fora, como o Garotinho.

ISTOÉ – A união histórica do brizolismo com o PT acabou?
Brizola –
Essa união histórica ficou superada depois que apoiamos Olívio Dutra e ele não cumpriu nosso acordo e ainda tentou nos dividir. A hipótese de eu apoiar Lula não existe, esqueça. O Lula já entrou para o sistema.

ISTOÉ – Mesmo se o PT concordar com os programas principais
do PDT?

Brizola –
Não acreditamos neles. Não cumprem acordos. Agora Lula tomou pelo menos três atitudes que beiram a traição. Disse que apóia mudanças na CLT contra os trabalhadores, apoiou a abertura das empresas de comunicação para o capital estrangeiro e isolou o MST.

ISTOÉ – O sr. lançaria sua candidatura à Presidência?
Brizola –

Isso não passa pela minha mente. Só esperamos que o PPS deixe de correr atrás de ambições e perceba que, com o Britto, vai dar com os burros n’água.