Num tempo em que os clubes noturnos da cidade americana de Chicago ignoravam a Lei Seca ao som de muito jazz e o crime tomava conta das manchetes como se fosse a nova ordem de um atual Rio de Janeiro em chamas, a jornalista Maurine Watkins, repórter de polícia do Chicago Tribune, reuniu material suficiente para contar uma boa história fora das páginas dos jornais. Seduzida pela atitude de mulheres em fúria, que, traídas, mataram seus companheiros com a frieza de um mafioso, em 1926 Maurine escreveu a peça The brave little woman, que mais tarde ganharia duas versões cinematográficas. Mas foi em 1975, com a adaptação para a Broadway coreografada por Bob Fosse, que seu espetáculo alcançou dimensão internacional. Quase 30 anos depois, o coreógrafo e diretor Rob Marshall decidiu fazer uma nova adaptação para as telas da trama na qual corrupção, fama e crimes passionais se misturam na mesma proporção da qualidade das canções ouvidas. Não é a redenção dos musicais no cinema, nem tem a ousadia, o ritmo vertiginoso ou o sabor pop de Moulin Rouge – amor em vermelho, mas mesmo assim Chicago (Estados Unidos/Canadá, 2002) – em cartaz nacional – apresenta sua dose de criatividade. E de apelo na medida para conquistar o eleitorado da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que deu à fita 13 indicações ao Oscar, entre elas a de melhor filme e melhor diretor.

Agora, Roxie Hart – papel da texana Renèe Zellweger, que concorre
à estatueta de melhor atriz – quer se tornar estrela. Almeja estar no mesmo patamar de Velma Kelley, interpretada por Catherine Zeta-
Jones, um dos verdadeiros motivos para se assistir a Chicago. O outro
é a cantora e atriz Queen Latifah, que faz a corrupta carcereira Mama Morton. Ambas concorrem ao Oscar de melhor atriz coadjuvante.
Roxie mata o homem que fez sexo com ela prometendo, e mentindo,
que a ajudaria na escalada da fama. Velma mata o marido e a irmã
ao flagrá-los na cama. As duas se encontram na prisão, e instala-se
o clima de rivalidade, principalmente depois da entrada em cena do advogado Billy Flynn (Richard Gere), para quem qualquer julgamento,
e o mundo inteiro, não passa de um circo. E Flynn, conexão de Mama Morton, leva o lema a ferro e fogo.

Daí para a frente o que se vê é uma sucessão de intrigas, traições e inveja descritas pelo mundo da música e da dança. Ingênua, porém mazinha o suficiente para engordar suas intenções de atingir o estrelato, Roxie sonha, e é através de seus sonhos que os números musicais acontecem. Todos trazendo as limitações de um elenco pouco afeito ao gênero. Mas o recurso imaginado pelo diretor Marshall tira o peso da história, dando-lhe mais leveza, cinismo e humor, principalmente quando Queen Latifah está em cena ou quando Catherine Zeta-Jones faz o público esquecer de seus parcos dotes vocais para prestar mais atenção em suas pernas e no seu jeito fogoso de interpretar. E Richard Gere, bem, o público feminino não quer nem saber. Ele está lá para enfeitar.