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É natural que os opositores do catolicismo contestem documentos oficiais da hierarquia da Igreja Católica no que diz respeito às questões doutrinais. É também compreensível que, dentro da própria Igreja, parte do clero questione alguns documentos ? a briga, neste caso, se dá no terreno das interpretações ? porque, apesar do discurso unitário e do centralismo do Vaticano, o catolicismo permanece dividido em tendências políticas. Desta vez, contudo, a cúpula católica briga por uma questão de fraude. Reunidos no último mês em Cuba, clérigos e teólogos de diversas tendências católicas denunciaram que o documento final da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe foi flagrantemente adulterado por seus redatores. Os principais responsáveis seriam ninguém menos do que o então presidente da Conferência Episcopal Latino-Americana (Celam), o cardeal-arcebispo de Santiago do Chile, Francisco Javier Errázuriz Ossa, e o bispo argentino Andrés Stanovnik, secretário-geral da entidade na época da conferência (maio).

 

Nas 132 páginas do ?documento conclusivo? da conferência foram identificadas mais de 200 emendas, entre artigos retirados e modificados. As principais mudanças fazem eco às preocupações do setor mais conservador do clero, ao suavizar as críticas à discriminação da mulher na Igreja, reduzir o papel das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs, base do clero ?progressista?) e relativizar a chamada ?opção preferencial pelos pobres?. ?As mudanças não foram apenas gramaticais ou de redação, mas de conteúdo e de conceitos?, acusa Carlos Signorelli, presidente do Conselho Nacional do Laicato do Brasil. Segundo um dos religiosos ligados à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que pediu anonimato, a adulteração tira a força do documento aprovado pela Celam em Aparecida. Ele cita como exemplo a versão repaginada da ?opção preferencial pelos pobres?, que se transforma em opção ?não excludente nem exclusiva.? O padre Agenor Briguenthi, do Instituto Teológico de Santa Catarina, concorda. ?As alterações tiram o brilho do encontro?, diz. O arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, dom Geraldo Majella Agnelo, faz coro contra as alterações. ?Não sei quem alterou, mas quero saber, pois não é a primeira vez que isso ocorre?, desabafou.

A adulteração virou uma pedra no sapato do clero latino-americano, já que o texto final já foi chancelado pelo papa. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) resolveu investigar o assunto. Isso porque, apesar de as primeiras apurações apontarem a responsabilidade do ex-presidente e do ex-secretário- geral da Celam, alguns religiosos da América do Sul afirmam que a alteração também teve o dedo de bispos brasileiros. Em sua defesa, o cardeal Errázuriz disse à Rádio Vaticano que consultou os autores dos artigos em Aparecida para realizar as mudanças.