A assustadora aventura bélica dos Estados Unidos no Iraque fica muito distante do Brasil no mapa, mas amedronta até quem não sabe onde fica a terra de Saddam Hussein. O dólar vai subir? Os investimentos vão cair? Vem aí mais desemprego? O petróleo vai chegar a
US$ 60 o barril? E a gasolina? A incerteza dos mercados e o temor da deterioração econômica e financeira crescem no mesmo ritmo do avanço da irracionalidade do presidente americano. O Banco Interamericano de Desenvolvimento escurece ainda mais o cenário: a elevada dívida pública do País (em grande medida fruto da reestruturação bancária apoiada pelo Estado em anos anteriores), que está parcialmente em dólares e a curto prazo ou indexada às taxas de juros, coloca o Brasil em uma situação de alta volatilidade diante do que ocorrer nos Estados Unidos.

Analistas experientes vão na direção oposta: no meio da tragédia, o Brasil pode encontrar oportunidades para sair a salvo, diz Alberto Matias, da ABM Consulting, professor da Universidade de São Paulo/ Campus Ribeirão Preto. “O risco Brasil vem caindo e o fluxo financeiro, numa situação de guerra, pode fugir para bem longe do cenário do conflito”, diz Matias, e desembarcar aqui, por exemplo. Ele se baseia no comportamento de alguns índices importantes antes e depois da guerra do Golfo (gráficos abaixo), em 1991. Em relação ao petróleo, o professor diz que um replanejamento de fornecedores para os cerca de 15% a 20% que o Brasil importa resolve o problema. O complemento viria da Venezuela e da Argentina. “O Brasil está afastado do foco”, afirma o professor Reinaldo Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Em 1973, durante a crise do petróleo, o País ficou paralisado pela falta de combustível; hoje não, a dependência desse insumo é muito pequena porque a Petrobras cobre mais de 80% das necessidades.”

José Carlos Grubisich, presidente da Brasken, maior petroquímica da América Latina, uma das cinco maiores indústrias privadas brasileiras, com faturamento anual superior a R$ 7 bilhões, confirma no dia-a-dia o que dizem os professores Matias e Gonçalves. A vulnerabilidade de sua empresa – que tem na nafta, um destilado do petróleo, a sua principal matéria-prima – praticamente inexiste. A Brasken é abastecida em 60%, 70% pela Petrobras; o restante vem da Argélia, Argentina, Marrocos. Além disso, o preço da nafta já embute o impacto da guerra, segundo ele. Em janeiro de 2002, a tonelada custava US$ 160; hoje, bate nos
US$ 340. “Some-se a isso a variação cambial, que era de R$ 2,20 em janeiro de 2002 e está hoje em R$ 3,50.”

O risco mais iminente, na verdade, é utilizar a guerra como pretexto.
Por causa da guerra lá no Iraque, 11 mil quilômetros distante do Brasil,
o feirante (como o grande empresário) pode se encorajar a cometer abuso de preços sob o escudo do conflito. Aí, sim, a situação de guerra, que insolitamente pode ter algum impacto favorável, desmorona a economia do País. “As consequências para os mercados emergentes seriam imediatas”, declarou o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que esteve recentemente em Moscou para ressaltar o apoio do País às estratégias diplomáticas que possam impedir a guerra.
O governo Lula se alinhou às propostas feitas por Alemanha, França
e Rússia, países que defendem o diálogo e a ampliação de prazos
e recursos para os inspetores no Iraque.

A bandeira pacifista levantada pelo Brasil tem duas faces distintas: por um lado, pode ajudar o Brasil a conquistar mercados no Oriente Médio, dada a simpatia manifestada no pré-guerra. Por outro, pode fazer do País um alvo ainda mais visível da já dura política externa americana, por conta da oposição às pretensões dos americanos com o conflito. “Esse chute na canela dos Estados Unidos dado pelo Itamaraty pode nos trazer sanções comerciais”, diz José Luiz Niemeier, professor de estudos estratégicos das Faculdades Tancredo Neves. O benefício viria através da abertura de novas frentes de negócios na região conflituosa. O próprio ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, tem dito que a guerra pode representar uma janela de oportunidades ao Brasil, já que os produtos americanos e britânicos despertariam antipatia em partes do mundo árabe. Hoje, o País vende US$ 2,6 bilhões ao ano para o Oriente Médio. Mas, segundo a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, existe potencial para transações de até
US$ 150 bilhões. A guerra, nesse caso, daria um empurrãozinho.