As cabeças pensantes do programa de governo de Ciro Gomes são prestigiadas. Uma equipe de intelectuais, uns renomados, outros nem tanto, vem, desde o início do ano, tratando de definir as estratégias para o País em caso de vitória da Frente Trabalhista (PPS-PDT-PTB), capitaneados pelo mentor intelectual de Ciro: Roberto Mangabeira Unger, filósofo e professor da Universidade de Harvard. Mas a política tem lá os seus dilemas. Um deles é como governar fazendo alianças sem abrir mão de seus próprios projetos. Por isso, é emblemática a imagem de Ciro Gomes apertando a mão de Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA). O ex-senador, que se encontrou com o candidato do PPS na terça-feira 30, em São Paulo, chegou com a pimenta para temperar as propostas da Frente Trabalhista. ACM rege a orquestra pefelista que está no poder desde o regime militar. E a turma de Mangabeira trabalha com idéias como “mudança radical do atual modelo”.

Entre os caciques da equipe de Ciro reina a vontade de fazer valer o que os 23 grupos técnicos de trabalho estão elaborando. “Não vamos compor com os que arruinaram este país nos últimos oito anos nem procurar os formuladores do governo que queremos derrotar. Não tem o menor sentido”, diz Maurício Dias David, economista do BNDES e fundador do PSDB, que hoje é o segundo homem no projeto da Frente. Ele é um dos protagonistas na cena econômica, ao lado do deputado e economista Mauro Benevides Filho (PPS), amigo de longa data de Ciro e ex-secretário da Fazenda em seu governo no Ceará, e de Luiz Rabi, economista-chefe do BicBanco, hoje licenciado. Maurício David foi convidado pelo próprio candidato, no final do ano passado, para trabalhar no programa. Em abril, chegou do Chile, onde estava morando, especialmente para isso. Até pouco tempo atrás, a comunicação entre a equipe de David – segundo ele formada por mais de uma centena de pessoas – e o líder Mangabeira era via internet, fax e telefone. Só na semana passada, o principal mentor desembarcou definitivamente no Rio de Janeiro vindo dos EUA.

Mais jovem professor da história de Harvard a se tornar titular, aos 25 anos, Mangabeira Unger goza a fama entre intelectuais, do México ao Uruguai, de Portugal à China. Mas, no Brasil, o carioca, que há 30 anos mora nos EUA, passa despercebido. “Pensam que eu sou advogado, jornalista, qualquer coisa. Menos um dos pensadores brasileiros mais conhecidos no Exterior”, costuma dizer, sem falsa modéstia. A teoria do filósofo para o Brasil, resumida por ele mesmo: “Encontrar uma alternativa ao neoliberalismo que não seja o regresso ao nacional populismo para a América Latina. Acredito na reconciliação entre a estabilidade monetária, o realismo fiscal e a abertura econômica como alternativa desenvolvimentista.” Isoladamente, isso não explica muita coisa. As idéias de Mangabeira para o programa têm sido acusadas de estar mal explicadas. Além disso, são cunhadas de populistas, como a tese da democracia direta: “Os plebiscitos e os referendos devem ser realizados de comum acordo entre o presidente e o Congresso, convocado por este, para romper os grandes impasses programáticos por meio do engajamento direto do eleitorado”, diz o texto do programa. Para discutir e adensar as propostas, foram criados grupos divididos em áreas temáticas, como, por exemplo, educação, energia, política tributária, cultura e, até mesmo, “políticas voltadas para proteção, amparo e estímulo à vida ativa da população de terceira idade”.

Segundas intenções – Antes que a equipe pensasse no segundo turno, Maurício David diz que pediu ajuda e conversou com gente importante, como os economistas Antonio Barros de Castro, ex-presidente do BNDES, Paulo Nogueira Batista Jr. e Afonso Celso Pastore. Depois da arrancada de Ciro nas pesquisas, o telefone de David não pára de tocar: “Muitos estão interessados em ajudar só pensando em cargos num possível governo.” Segundo ele, o texto apresentado no site oficial do candidato traz sugestões pensadas apenas por Mangabeira e pelo próprio Ciro, mas ainda não é definitivo. Também contém “pitadas de Leonel Brizola”, diz um outro colaborador. “Estamos produzindo um mais completo, que vai passar pelo crivo de um conselho com outros representantes da Frente”, afirma David. O texto provisório vem causando polêmica. A começar pela referência ao “Estado-Maior das Forças Armadas”, extinto há três anos, e às contas de brasileiros no Exterior, as chamadas CC-5. Ciro Gomes andou falando em extinguir as tais contas, o que gerou muita especulação, e depois voltou atrás. O programa sugere: “Passar a tributar os ganhos obtidos por brasileiros no Exterior através de empresas localizadas em paraísos fiscais, hoje livres de tributação.”

Ciro tem dito que, se eleito, dará prioridade à reforma tributária. No conjunto das propostas, de fato, este é um dos temas que mais recebem destaque. Isso se explica porque entre os colaboradores do programa há um grupo de quatro advogados tributaristas (Helenilson Cunha Pontes, Rodolfo Gropen, Joana Ribeiro Facó e André Martins de Andrade), a maioria de São Paulo e todos membros da ONG Instituto para o Desenvolvimento com Justiça, o IDJ, fundado em dezembro do ano passado por Mangabeira. “Demos colaborações pontuais na área tributária. O cerne contém idéias que são do Ciro desde 1998, mas ele acatou sugestões como tributos nos paraísos fiscais, que é a principal idéia”, diz Helenilson. No início, a ONG nasceu para ajudar na elaboração do programa e o fez, mas agora os comandantes do IDJ garantem que ela está descolada da Frente Trabalhista.

Mangabeira, Ciro e Brizola estão cada vez mais amigos e alinhados política e ideologicamente. Porém, o fato de o programa de Ciro Gomes estar impregnado de suas próprias idéias e das teorias de Mangabeira pode significar o mesmo que nada. O cacique baiano Antônio Carlos Magalhães nada tem a ver com a Frente Trabalhista, identificada como de centro-esquerda, e seus intelectuais. É o mesmo ACM que foi eminência parda no governo Fernando Collor e apoiou FHC até o episódio da violação do painel do Senado, denunciado por ISTOÉ, que provocou a renúncia do senador. Ele vem se juntar ao presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), e ao deputado Inocêncio Oliveira (PE), líder pefelista na Câmara, que na quarta-feira declarou seu apoio a Ciro. Os três podem ser considerados o núcleo duro do PFL e estão no poder há 40 anos. O deputado João Hermann, líder do PPS na Câmara e articulador das alianças ao redor de Ciro, é categórico na defesa: “Se alguém disser que houve negociação de cargos, vou me considerar o homem mais injuriado do mundo.” Para ele, aliar-se ao PFL de ACM e ao PTB do deputado Roberto Jefferson (RJ) “não significa abrir mão dos conceitos”: “No nosso governo não entra quem tem prontuário nem quem for autoritário, numa rima pobre, porém consistente.”

O ex-governador Leonel Brizola, presidente nacional do PDT, usa uma metáfora para justificar os acordos que vem aceitando: “O Brasil é um caminhão no atoleiro. Precisa empurrar, não importa se a força vem da esquerda ou da direita. Importa é que na direção e no câmbio estamos nós.” Mas há um fato que deve ser lembrado: sem empurrão, de nada vai adiantar tentar dirigir. E se as forças empurrarem cada uma para um lado ou, simplesmente, não fizerem muito esforço?

A turma de ciro

Mangabeira Unger – Filósofo, é o mentor de Ciro e da equipe do programa de governo. Professor de filosofia do direito da Universidade de Harvard, nos EUA, onde mora há 30 anos. Nasceu no Rio de Janeiro, mas foi no Exterior que se tornou um intelectual respeitado. Possui uma série de livros que passeiam na seara da política, da filosofia e do direito, publicados em vários países. No Brasil, destacam-se A segunda via – presente e futuro do Brasil e Democracia realizada – a alternativa progressista.

Maurício Dias David – Segundo homem da turma que elabora as propostas. Economista do BNDES, foi fundador do PSDB em 1988. Está filiado até hoje, mas diz que lidera “a dissidência do governo há anos”. Trabalhou na Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, a Cepal, no Chile. Sua tese de doutorado, sobre pobreza e distribuição de riqueza no Brasil, foi defendida na universidade de Sorbonne, em Paris. Foi convidado para integrar a equipe pelo próprio Ciro, que conheceu na época da fundação do partido.

Mauro Benevides Filho – Designado como um dos porta-vozes da campanha para os assuntos de economia. Amigo de longa data do candidato, é economista e deputado estadual no Ceará pelo PPS. Filho do ex-senador e deputado Mauro Benevides (PMDB), é tratado como Mauro Filho. Na Assembléia, pertence à Comissão de Orçamento e Finanças e preside a CPI que investiga irregularidades no Banco do Estado do Ceará na gestão do governador Tasso Jereissati – de quem é aliado, assim como Ciro. Benevides tem doutorado na Universidade de Vanderbilt, nos EUA, e é professor do Centro de Aperfeiçoamento de Economistas do Nordeste, curso de pós-graduação da Universidade Federal do Ceará.

João Paulo de Almeida Magalhães – Economista, é professor da UFRJ e autor de vários livros, entre eles Brasil século XXI: uma alternativa ao modelo neoliberal e Causas da inviabilização econômica da América portuguesa.

Luiz Rabi – Economista-chefe do BicBanco, recém-licenciado para se dedicar exclusivamente à campanha. Rabi é um jovem analista econômico e faz previsões sobre os humores do mercado financeiro. Formou-se pela USP há menos de dez anos e fez mestrado em Contabilidade.