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"Nem ódio nem vingança, mas tampouco perdão.
Não há sentimento que se justifique. Há a frieza da razão"

Dilma Rousseff, presidenta da República

A entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação trouxe à tona fatos e documentos inéditos referentes à época da ditadura militar. Um dos arquivos agora revelados mostra em detalhes cenas jamais contadas nem sequer pela própria protagonista: a presidenta Dilma Rousseff. Documentos descrevem o que a então militante da VAR-Palmares sofreu nos porões do DOI-Codi em Minas Gerais. Até então, só se sabia que ela passou pelos horrores das prisões em São Paulo e no Rio de Janeiro. Além da tortura propriamente dita, surpreende a partir dessas novas revelações o comportamento de Dilma. Muitos sobreviventes das sessões de tortura costumam ter traumas. Têm pesadelos, desenvolvem tiques nervosos e há casos em que não fornecem nem o telefone por temer uma reviravolta no quadro democrático. Outros fazem uso político e eleitoral do passado de luta. Mas Dilma não demonstra sequelas emocionais e jamais tirou proveito eleitoral de sua dor. Não ficou presa ao passado e seguiu em frente após o fim do regime militar.

Além de não se deixar paralisar pelas marcas da tortura, Dilma Rousseff raramente fala sobre seu sofrimento e se mostrou surpresa com a divulgação do depoimento que prestou ao Conselho dos Direitos Humanos de Minas em 2001, quando recebeu uma indenização de R$ 30 mil pelos abusos a que foi submetida no DOI-Codi. A presidenta, contudo, acredita que a história tem de ser contada e levou ao pé da letra a promessa de criar a Comissão da Verdade. Ao dar posse aos membros da comissão, deixou claro que não perdoa a desumanidade dos carrascos de farda. Abriu mão da colaboração de seus assessores e fez questão de escrever ela mesma o discurso, no qual disse que não se pautava pelo ódio. “Nos move a necessidade imperiosa de conhecê-la (a verdade) em sua plenitude, sem camuflagens, sem vetos e sem proibições”, afirmou.

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SEM AUDIÊNCIA
Governo nega que Dilma não receba o presidente
da CBF por seu envolvimento na ditadura

A reação de Dilma diante da nova exposição de seu sofrimento na prisão é um exemplo de que militares exageram ao vislumbrar risco de revanchismo. Ao comentar os fatos revelados em Minas, a presidenta afirma que o importante não é o torturador, mas sim a tortura. “O torturador é um agente. O problema é em que condições a tortura é operada”, disse. “Uma das melhores coisas que me aconteceram foi não me fixar nas pessoas nem ter por elas qualquer sentimento. Como eu disse no meu discurso, nem ódio nem vingança, mas também tampouco perdão. Não há sentimento que se justifique contra este tipo de ato. Há a frieza da razão. E a frieza da razão é não esquecer”, acrescentou.

A presidenta não esquece. E o jornalista Juca Kfouri garante que ela não recebe em audiência o novo presidente da CBF, José Maria Marin, por seu envolvimento na ditadura. Deputado estadual pela Arena, em 1975, ele teria discursado na Assembleia pedindo a prisão do jornalista Vladimir Herzog. Marin fazia elogios ao delegado e torturador Sérgio Paranhos Fleury e dedurava a presença de comunistas na TV Cultura, dirigida por Herzog. O jornalista foi preso e assassinado no DOI-Codi. “Servir a ditadura é uma coisa, mancha indelével, sem dúvida. Mas a dedo-duragem desperta asco invencível”, diz Kfouri. O Palácio do Planalto nega que Dilma tenha evitado o presidente da CBF pelos motivos citados. Se o tivesse feito, não seria revanchismo, apenas coerência.

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Foto: Adriano Machado/Ag. Istoé 


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